Imaginem um país que tem tudo: o estado de bem-estar social cobre todas as necessidades básicas dos moradores, a renda per capita é de quase 89 mil dólares e o fundo soberano criado com a venda do petróleo e do gás do Mar do Norte, a salvação da pátria para muitos dos russosdependentes depois da invasão da Ucrânia, é o maior do mundo.
Por causa desse fundo, desde 2014 todos os 5 milhões de noruegueses são tecnicamente milionários: dividindo-se a reserva nacional por cada habitante, dá mais de um milhão para cada pessoa na moeda local, a valorizada coroa.
Ainda por cima, é um dos países menos corruptos do mundo, com o quarto lugar no índice da Transparência Internacional (o Brasil tem, vergonhosamente, noventa posições à frente).
Como nos outros países escandinavos, os benefícios custam caro e são resultado de um contrato social que faz com que as pequenas, homogêneas e igualitárias populações se vejam como sócias de um clube exclusivo: pagam uma mensalidade cara, mas desfrutam de muitas vantagens.
Pois até para quem está acostumado a sofrer uma nórdica mordida do fisco tem reclamado do aumento — de 0,1% — do imposto sobre riqueza, uma iniciativa do governo do Partido Trabalhista, de centro-esquerda.
Como dinheiro é um bicho muito sensível, principalmente quando existe a possibilidade de que seja estacionado em outro lugar, o jornal Dagens Naeringsliv fez uma reportagem enumerando o recorde dos muito ricos que estão deixando o país, indo se instalar na Suíça. No ano passado, foram mais de trinta bilionários a ir embora.
Ironia: a Suíça, como a Noruega e a Espanha, é um dos poucos países europeus a cobrar imposto sobre fortuna. Mas, além da estabilidade e da atmosfera parecida com a da Noruega, alguns cantões oferecem vantagens fiscais às pessoas que residem no país, mantendo a atividade profissional no exterior. Os impostos são baseados no padrão de vida e cobrados sobre gastos particulares.
Taxar fortunas é uma das bandeiras da esquerda desde que desistiu, de modo geral, de socializar os meios de produção. Embora demagógica, não é uma bandeira impopular: pela natureza humana, qualquer um que não seja muito rico tende a se incomodar com quantidades fabulosas de dinheiro que os empreendedores bem sucedidos — ou herdeiros confortáveis — conseguem criar.
Até 1990, doze países da OCDE taxavam fortunas, lembra o Telegraph. A expansão da globalização inverteu a tendência. Diante das facilidades para transferir negócios num mundo com fronteiras mais abertas, aumentou o risco de migração dos muito ricos.
A França, onde até pessoas razoavelmente esclarecidas continuam a achar que o jeito de equilibrar as contas públicas e manter a aposentadoria aos 62 anos é “taxar os ricos”, só acabou com esse imposto em 2017. Segundo uma empresa especializada no tema, 60 mil milionários franceses foram para outras bandas entre os anos 2000 e 2016. Isso sem retroceder ao desastroso programa de François Mitterrand, nos anos oitenta, quando a polícia revistava porta-malas de franceses que fugiam para a Suíça, assustados com a taxação jacobina. Deu tão errado que Mitterrand, o presidente socialista, teve que reverter tudo.
O imposto sobre fortuna, por motivos óbvios, acaba provocando o efeito oposto ao desejado: as contribuições são uma gota d’água no mar de necessidades dos estados modernos e acabam espantando muitos dos que poderiam justamente criar as riquezas que beneficiariam todo o país.
Nem é preciso ver o exemplo da Argentina. Mas vamos entrar no assunto assim mesmo. Em 2020, o governo do presidente Alberto Fernández, cedeu, como sempre, à pressão do primeiro filho, Máximo Kirchner, e criou a cinicamente chamada Contribuição Solidária e Extraordinária para “ajudar a abrandar os efeitos da pandemia”.
Cobrado uma vez só, o imposto foi pago por cerca de 10 mil argentinos das faixas mais altas de patrimônio. Produziu 247 bilhões de pesos — dá angústia quanto valeriam hoje, diante das desvalorizações constantes —e nenhum efeito. O país está lamentavelmente mais pobre, com 39,2% dos argentinos hoje incluídos na categoria — 18,6 milhões de pessoas, das quais 8,1% indigentes.
Como cobrar impostos justos sem produzir efeitos contrários, com a “descriação” de riquezas, é uma discussão eterna. Na Noruega, o imposto sobre fortuna corresponde a apenas 1% do total arrecadado pelo fisco. Também é de 1% o total cobrado de cada contribuinte sobre o que ganhe acima do equivalente a 160 mil dólares por ano. Desse total, 0,3% vão para os cofres nacionais e 0,7% ficam nos municípios.
Só quem não paga imposto são o rei Harald, a rainha Sonia e o príncipe herdeiro Haakon. Como os outros escandinavos, os membros da realeza têm hábitos menos caros e fortunas comparativamente modestas. A riqueza da família real norueguesa é calculada em 30 milhões de dólares, contra os 500 milhões que o rei Charles herdou no ano passado da mãe falecida. A realeza em Mônaco vale 1 bilhão e, na Arábia Saudita, 1,4 trilhão de dólares.
Não existe nada mais permanente do que um imposto temporário, dizia Milton Friedman, e o governo norueguês, instalado em 2021, está pensando numa taxação extra sobre quem deixa o país. Já foi tentado antes e até na tão bem sucedida Noruega tem boa probabilidade de dar errado. Os ciumentos vizinhos escandinavos, igualmente com alíquotas altíssimas de impostos nas camadas mais altas de rendimento (56,95% na Finlândia, 55,90% na Dinamarca e 52,90% na Suécia), estarão vigiando tudo — e, dizem alguns, torcendo contra.
Estão, pelo menos, garantidos: nunca terão um padrão de vida comparável ao da Costa do Marfim, o país que cobra mais impostos do mundo, com alíquotas até 60% — e tem um PIB per capita de 2,5 dólares.