Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99

Mundialista

Por Vilma Gryzinski Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Tchau, tchau: imposto sobre fortuna leva ricos a ir embora da Noruega

Até num país que parece perfeito, a animosidade contra quem tem muito — e a mordida do leão nórdico — provoca consequências indesejadas

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 12 abr 2023, 07h20 - Publicado em 12 abr 2023, 06h28
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Imaginem um país que tem tudo: o estado de bem-estar social cobre todas as necessidades básicas dos moradores, a renda per capita é de quase 89 mil dólares e o fundo soberano criado com a venda do petróleo e do gás do Mar do Norte, a salvação da pátria para muitos dos russosdependentes depois da invasão da Ucrânia, é o maior do mundo. 

    Por causa desse fundo, desde 2014 todos os 5 milhões de noruegueses são tecnicamente milionários: dividindo-se a reserva nacional por cada habitante, dá mais de um milhão para cada pessoa na moeda local, a valorizada coroa.

    Ainda por cima, é um dos países menos corruptos do mundo, com o quarto lugar no índice da Transparência Internacional (o Brasil tem, vergonhosamente, noventa posições à frente).

    Como nos outros países escandinavos, os benefícios custam caro e são resultado de um contrato social que faz com que as pequenas, homogêneas e igualitárias populações se vejam como sócias de um clube exclusivo: pagam uma mensalidade cara, mas desfrutam de muitas vantagens.

    Pois até para quem está acostumado a sofrer uma nórdica mordida do fisco tem reclamado do aumento — de 0,1% — do imposto sobre riqueza, uma iniciativa do governo do Partido Trabalhista, de centro-esquerda.

    Como dinheiro é um bicho muito sensível, principalmente quando existe a possibilidade de que seja estacionado em outro lugar, o jornal Dagens Naeringsliv fez uma reportagem enumerando o recorde dos muito ricos que estão deixando o país, indo se instalar na Suíça. No ano passado, foram mais de trinta bilionários a ir embora.

    Ironia: a Suíça, como a Noruega e a Espanha, é um dos poucos países europeus a cobrar imposto sobre fortuna. Mas, além da estabilidade e da atmosfera parecida com a da Noruega, alguns cantões oferecem vantagens fiscais às pessoas que residem no país, mantendo a atividade profissional no exterior. Os impostos são baseados no padrão de vida e cobrados sobre gastos particulares.

    Continua após a publicidade

    Taxar fortunas é uma das bandeiras da esquerda desde que desistiu, de modo geral, de socializar os meios de produção. Embora demagógica, não é uma bandeira impopular: pela natureza humana, qualquer um que não seja muito rico tende a se incomodar com quantidades fabulosas de dinheiro que os empreendedores bem sucedidos — ou herdeiros confortáveis — conseguem criar.

    Até 1990, doze países da OCDE taxavam fortunas, lembra o Telegraph. A expansão da globalização inverteu a tendência. Diante das facilidades para transferir negócios num mundo com fronteiras mais abertas, aumentou o risco de migração dos muito ricos. 

    A França, onde até pessoas razoavelmente esclarecidas continuam a achar que o jeito de equilibrar as contas públicas e manter a aposentadoria aos 62 anos é “taxar os ricos”, só acabou com esse imposto em 2017. Segundo uma empresa especializada no tema, 60 mil milionários franceses foram para outras bandas entre os anos 2000 e 2016. Isso sem retroceder ao desastroso programa de François Mitterrand, nos anos oitenta, quando a polícia revistava porta-malas de franceses que fugiam para a Suíça, assustados com a taxação jacobina. Deu tão errado que Mitterrand, o presidente socialista, teve que reverter tudo.

    O imposto sobre fortuna, por motivos óbvios, acaba provocando o efeito oposto ao desejado: as contribuições são uma gota d’água no mar de necessidades dos estados modernos e acabam espantando muitos dos que poderiam justamente criar as riquezas que beneficiariam todo o país.

    Nem é preciso ver o exemplo da Argentina. Mas vamos entrar no assunto assim mesmo. Em 2020, o governo do presidente Alberto Fernández, cedeu, como sempre, à pressão do primeiro filho, Máximo Kirchner, e criou a cinicamente chamada Contribuição Solidária e Extraordinária para “ajudar a abrandar os efeitos da pandemia”.

    Cobrado uma vez só, o imposto foi pago por cerca de 10 mil argentinos das faixas mais altas de patrimônio. Produziu 247 bilhões de pesos — dá angústia quanto valeriam hoje, diante das desvalorizações constantes —e nenhum efeito. O país está lamentavelmente mais pobre, com 39,2% dos argentinos hoje incluídos na categoria — 18,6 milhões de pessoas, das quais 8,1% indigentes.

    Continua após a publicidade

    Como cobrar impostos justos sem produzir efeitos contrários, com a “descriação” de riquezas, é uma discussão eterna. Na Noruega, o imposto sobre fortuna corresponde a apenas 1% do total arrecadado pelo fisco. Também é de 1% o total cobrado de cada contribuinte sobre o que ganhe acima do equivalente a 160 mil dólares por ano. Desse total, 0,3% vão para os cofres nacionais e 0,7% ficam nos municípios.

    Só quem não paga imposto são o rei Harald, a rainha Sonia e o príncipe herdeiro Haakon. Como os outros escandinavos, os membros da realeza têm hábitos menos caros e fortunas comparativamente modestas. A riqueza da família real norueguesa é calculada em 30 milhões de dólares, contra os 500 milhões que o rei Charles herdou no ano passado da mãe falecida. A realeza em Mônaco vale 1 bilhão e, na Arábia Saudita, 1,4 trilhão de dólares.

    Não existe nada mais permanente do que um imposto temporário, dizia Milton Friedman, e o governo norueguês, instalado em 2021, está pensando numa taxação extra sobre quem deixa o país. Já foi tentado antes e até na tão bem sucedida Noruega tem boa probabilidade de dar errado. Os ciumentos vizinhos escandinavos, igualmente com alíquotas altíssimas de impostos nas camadas mais altas de rendimento (56,95% na Finlândia, 55,90% na Dinamarca e 52,90% na Suécia), estarão vigiando tudo — e, dizem alguns, torcendo contra.

    Estão, pelo menos, garantidos: nunca terão um padrão de vida comparável ao da Costa do Marfim, o país que cobra mais impostos do mundo, com alíquotas até  60% — e tem um PIB per capita de 2,5 dólares.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 9,98 por revista)

    a partir de 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.