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Trump e Bolsonaro: tão iguais, tão diferentes, tão inesperados

O espírito do tempo quer mudança e o que isso produz caberá aos historiadores analisar no futuro; enquanto isso, ficamos no borbulhante presente

Por Vilma Gryzinski 28 out 2018, 08h54
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  • É irresistível, para os estrangeiros, a aliteração “Trump dos trópicos”. É uma explicação que já vem pronta e em quase 100% das reportagens estrangeiras significa que o Brasil está se jogando num buraco sem fundo.

    A mesma animosidade acompanhou a eleição de Donald Trump em 2016. Uma das maiores diferenças é que a vitória de Trump, com base nos votos do colégio eleitoral, uma característica única do sistema americano, pegou todo mundo de surpresa.

    Mas vale destacar algumas semelhanças:

    1. Abaixo o sistema

    Nos Estados Unidos não aconteceu nada nem parecido com o tsunami de corrupção que obliterou o maior partido político brasileiro. Mas o governo Obama forçou a mão em várias frentes da “guerra cultural”, hoje um aspecto indistinguível da política no sentido estrito.

    Hillary Clinton fez uma campanha partindo do princípio que tinha a vitória garantida e chegou a menosprezar uma fatia do eleitorado, os “deploráveis”. Pediu desculpas, mas já era tarde.

    Os eleitores que se sentiam excluídos da hegemonia democrata e dos “nomes de sempre” do Partido Republicano, aderiram a Trump quase que com um espírito revolucionário.

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    É este espírito que pegou os analistas de surpresa, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. De modo geral, é a esquerda que se encanta com projetos transformativos e promete um futuro mais brilhante. Barack Obama, por exemplo, dizia que queria “mudar fundamentalmente os Estados Unidos”.

    A direita, também de forma geral, propõe colocar a casa em ordem. A pegada de Trump foi mandar um recado conservador — reconstruir a grandeza do passado — com uma embalagem antissistema.

    A rejeição a “tudo isso que está aí”, que tanto beneficiou o PT no passado, se transformou em bandeira bolsonarista.

    2. Do zero ao tudo

    Os americanos que nos desculpem, mas em matéria de situações bizarras e surpresas políticas nada supera o Brasil.

    Só para lembrar, o “candidato” a presidente mais cotado estava — e lá continua — na cadeia. Há exatamente um ano, em 30 de outubro de 2017, Lula tinha 35%, das preferências; Bolsonaro, 13%, e Marina Silva, 8%.

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    Mas os Estados Unidos têm seus truques de roteiro. Em 16 de junho de 2015, quando desceu a escada rolante da Trump Tower para anunciar que seria candidato a presidente, Trump foi considerado uma piada, uma espécie de Tiririca à americana. Tinha 1% das preferências.

    Foi nesse discurso que falou uma de suas maiores barbaridades, dizendo que o México não mandava para os Estados Unidos o que tinha de melhor, e sim, o pior: “Traficantes, criminosos, estupradores”.

    Não faltam maus, e até abomináveis, elementos nas massas migratórias vindas da América Latina, mas a generalização injusta e brutal acompanha Trump até hoje.

    A lista de barbaridades verbais passadas de Bolsonaro também não vai sumir tão cedo.

    3. Os bons pastores

    O apoio de evangélicos neopentecostais a Trump pesou quase tanto quanto o recebido por Bolsonaro no Brasil.

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    Trump foi proprietário de cassinos, dono de hotel em Las Vegas — sinônimo de pecado nos Estados Unidos —, playboy colecionador de mulheres bonitas e autor da infame frase sobre as facilidades sexuais permitidas a homens famosos. Tem explosivas gatas no armário.

    Vem de família presbiteriana, mas raramente foi visto perto de qualquer serviço religioso.

    Nada disso abalou o voto evangélico, para desespero da imprensa americana, antitrumpista na base de 95%.

    A resposta dos evangélicos americanos costuma ser a mesma dos brasileiros: não precisam de um presidente perfeito em termos morais (vaga preenchida pelo vice Mike Pence), mas que seja favorável a temas importantes para eles, como família, pátria e religião.

    Pence foi criado numa família católica e se tornou evangélico por causa da mulher. É ele quem leva pastores para orar por Trump, fazendo a imposição de mãos, em cenas raramente vistas na Casa Branca.

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    É impressionante a semelhança com a oração feita por Bolsonaro num culto batista, com o rosto molhado de lágrimas, ajoelhado ao lado da mulher, Michelle, seguidora da religião.

    4. Bonitas e distantes

    Falando em esposas: Melania Trump e Michelle Bolsonaro, as respectivas terceiras esposas, querem distância da política. A ex-modelo eslovena de beleza deslumbrante acompanhou fielmente Trump durante toda a campanha presidencial.

    Agora, desapareceu completamente dos comícios de meio de mandato, que podem significar nada menos que abertura de impeachment contra Trump se os democratas recuperaram a maioria na Câmara.

    Poucos brasileiros sequer tinham ouvido falar de Michelle Bolsonaro antes do atentado a faca que ele sofreu em setembro. Ela continua praticamente submersa.

    Quer apareça, quer desapareça, tudo o que Melania Trump faz, incluindo anódinas e bem intencionadas campanhas típicas de primeira-dama, é cruelmente criticado, inclusive seu guarda-roupa de mulher de bilionário.

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    Michelle Bolsonaro, segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo, gosta de roupas da Zara e se especializou em libras, a linguagem dos deficientes auditivos. Não vai escapar do crivo.

    5. Falange de filhos

    Se as mulheres ficam na retranca, Trump e Bolsonaro, com staff político fraco, são cercados continuamente no pelotão de frente pelas únicas pessoas em que podem confiar: os filhos.

    Trump levou a filha predileta, Ivanka, como assessora e confiou ao marido dela, Jared Kushner, algumas das missões mais cruciais. Ele já mostrou serviço com o novo acordo comercial com o México e o Canadá, substituto do Nafta.

    O mais ambicioso de seus projetos, um acordo de paz entre Israel e árabes, está atualmente prejudicado pela desgraça que a Arábia Saudita trouxe a si mesma como o hediondo assassinato de um jornalista de oposição.

    Donald Jr. e Eric deveriam tomar conta dos negócios da família, mas o filho mais velho tomou gosto pela política e tem ambições nada secretas. Depois de se separar da mulher, com quem tem cinco filhos, ele está namorando uma ex-estrela da Fox News, Kimberly Guilfoyle.

    Júnior e Kimberly estão totalmente dedicados a umas das tarefas mais vitais de qualquer campanha americana: levantar doações. Nos Estados Unidos, são praticamente ilimitadas.

    Colocar filhos em funções políticas cria um problema quase insolúvel: tirá-los elas quando fazem besteira.

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