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Ultraortodoxos israelenses em fúria por decisão que força serviço militar

Eles acham que têm só que estudar os textos santos e rezar; a maioria da população quer que sirvam o Exército, como todo mundo

Por Vilma Gryzinski 5 jul 2024, 08h30
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  • “Eu não fui atacado. As pedras não foram jogadas em mim, foram jogadas no carro”. Com essa frase rabínica, o ministro da Habitação, Yitzhak Goldknoft, se contorceu retoricamente para não admitir que foi alvo de protestos de judeus ultraortodoxos, em fúria depois que a Suprema Corte de Israel decidiu que eles devem prestar serviço militar como todos os outros cidadãos.

    Detalhe importante: o ministro é de um partido ultraortodoxos, o Judaísmo Unido da Torá, Seus apedrejadores são de um ramo mais radical, a Facção de Jerusalém, mas Goldknoft não quis passar recibo nem complicar uma questão já extremamente inflamável.

    Os haredim, como os ultraortodoxos se denominam, acham que levar uma vida totalmente voltada para a religião judaica, estudando a Torá – a parte hebraica da Bíblia – e o Talmude, os textos interpretativos milenares, é mais importante do que tudo, inclusive pegar em armas contra as tantas ameaças a Israel. Uma ala também é antissionista e acha que o moderno Estado de Israel é uma heresia: o país biblíco original só poderia ser recriado com a vinda do Messias.

    A maioria da população não só discorda, como muitos têm ressentimento e até raiva dos haredim, por usarem as yeshivás, as escolas religiosas, como pretexto, enquanto todos os outros israelenses pagam o preço em sangue ou carreiras interrompidas pela guerra para defender o país. Em Gaza, já foram 325 mortos. Uma pesquisa recente mostra que 70% dos israelenses querem que os ultraortodoxos prestem serviço militar. Entre os judeus não religiosos, a proporção chega a 85%.

    MELHOR A CADEIA

    Na semana passada, a Suprema Corte israelense, reiterando decisões similares tomadas desde 1998, amparou essa opinião majoritária, desencadeando uma cena já comum: um mar de chapéus negros, parte do traje tradicional dos ultraortodoxos, nas ruas e repressão policial. Foi aí o apedrejamento ao carro do ministro, como ele quer que se diga.

    A questão do serviço militar dos haredim é um problema do qual o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu vinha tentando se esquivar. Ele só consegue maioria com o apoio de dois partidos ultrarreligiosos, da ala da supremacia sionista.

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    As Forças de Defesa já pediram ao sistema de previdência social a ficha trabalhista dos haredim para distinguir entre os que realmente passam todo o tempo nas yeshivás e os que têm empregos remunerados e uso o estudo religioso como pretexto.

    “Preferimos ir para a cadeia do que para o exército”, diz um dos cartazes nas manifestações recentes.

    GENERAIS QUE FALAM

    Ter os haredim em pé de guerra nas ruas é um complicador adicional para um país com duas frentes de conflito e, como sempre, extremamente politizado, ainda mais com a parte majoritária das famílias dos reféns fazendo protestos constantes e acusando Netanyahu de boicotar um acordo pela libertação dos cativos – não obstante seja o próprio Hamas que rejeite essa solução.

    Uma nova contraproposta do Hamas começou a ser debatida com os mediadores no Catar, abrindo uma fresta de esperança. Netanyahu parece mais convencido a ampliar as negociações e até o ministro da Defesa, Yoav Gallant, manifestou “otimismo” sobre a possibilidade de um acordo para a libertação dos reféns.

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    Essa tendência mais flexível veio à tona através do fenômeno dos generais que falam. Como os que apareceram numa reportagem do New York Times dizendo que agora a cúpula das Forças de Defesa favorece um cessar-fogo que leve à libertação dos reféns, mesmo com o Hamas mantendo suas posições em Gaza, apenas seriamente enfraquecido, mas não vencido, pela perda de 14 mil militantes.

    Seria uma forma de remuniciar o Exército, em armas e homens, e evitar uma guerra com o Hezbollah no Líbano. Na prática, é também um reconhecimento de fracasso nos objetivos declarados de erradicar o Hamas militarmente e administrativamente, recuperar os reféns e permitir a volta da população deslocada na região próxima a Gaza e na fronteira com o Líbano.

    O FATOR IRÃ

    Tem também o problema da esposa que fala, no caso Sara Netanyahu, que disse numa reunião fechada com familiares de reféns que chefes militares haviam tentado “dar um golpe” no marido. Não se sabe o que é pior: militares revoltados ou esposa loquaz.

    Em qualquer alternativa, são sinais de sérias divergências internas, praticamente a rotina em Israel, mas com as graves dimensões do momento atual, com a escala de tensões – e bombas mútuas – no Líbano.

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    Os generais se gabam que acabariam com o Hezbollah em questão de dias, mas obviamente é preferível não abrir uma nova frente em grande escala. Inclusive ou acima de tudo pela possibilidade de que o Irã entre na briga.

    O regime xiita quer compensar o vexame de 13 de abril, quando sua chuva de mísseis e drones não conseguiu ultrapassar a barreira defensiva formada por Estados Unidos, Reino Unido, França e até a Jordânia.

    CRISES SIMULTÂNEAS

    Foi um murro no queixo dos aiatolás, mas e se Israel enfrentasse uma onda dessas por dia? Não acabaria sendo levado a bombardear o próprio Irã, uma operação de alta complexidade, envolvendo reabastecimento em voo dos aviões bombardeiros, entre outros riscos extremos?

    Para complicar, isso coincidiria com as crises simultâneas que estão acontecendo entre as três grandes potências ocidentais.

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    Na França, um presidente, Emmanuel Macron, que bombardeou a si mesmo e terá, a partir dessa segunda-feira, um governo hostil a Israel, seja de direita, seja de esquerda. No Reino Unido, os trabalhistas no poder, inclusive com sua ala antissionista. Nos Estados Unidos, sabe-se lá o que pode acontecer com o presidente Joe Biden em crise de senilidade.

    Os ultrarreligiosos sionistas acreditam que Israel só sobrevive por causa de suas orações, mais importantes do que todo o poderio militar do Estado.

    A reza tem que ser forte num país em que a única notícia boa dos últimos dias envolveu uma morte: a mãe da refém Noa Argamani, a chinesa Liora, morreu três semanas depois da grande operação militar que resgatou a jovem em Gaza. Pelo menos ela pôde se despedir da mãe.

    Os médicos também acreditam que a mãe com câncer cerebral em estágio terminal, mesmo sem condições de interagir com a filha, compreendeu que ela havia sido libertada.

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