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Um caso ainda não encerrado

O Afeganistão criará muitos problemas para si mesmo e o mundo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 13h23 - Publicado em 16 jul 2021, 06h00

Parece absurdo, mas é verdade: os Estados Unidos gastaram mais dinheiro no Afeganistão do que na reconstrução da Europa no pós-guerra. Somando o custo direto da guerra em si e outras despesas, inclusive os gastos com veteranos e até os juros sobre a dinheirama toda, a conta bate em mais de 2 trilhões de dólares. Quando começou, em 2001, a intervenção militar parecia realmente “a guerra necessária”. Com licença da ONU, os Estados Unidos tinham uma missão irrecusável, a de acabar com as bases da Al Qaeda onde tinham sido gestados os planos malignos para os atentados do Onze de Setembro. Os terroristas adeptos do fundamentalismo islâmico, sauditas na maioria, como seu líder Osama bin Laden, contavam com a infraestrutura fornecida por seus irmãos ideológicos, os talibãs afegãos. Em sessenta dias o Talibã estava desalojado do poder. Apenas quatro americanos haviam morrido (três por fogo amigo). O sucesso inicial foi virando o pântano de uma intervenção interminável que cada vez justificava a mais conhecida designação do Afeganistão, a de “cemitério de impérios” — um país inconquistável pela geografia hostil e a cultura de resistência aos estrangeiros da etnia pashtun.

“O fim da intervenção, resolvido por Trump e executado por Biden, abre as portas para o retorno do Talibã”

Criar instituições democráticas, promover eleições e incentivar valores que se mostrassem melhores do que os extremos do fundamentalismo, como abrir escolas para as meninas proibidas de estudar pelos talibãs, deveriam servir para estabelecer as bases para uma saída honrosa aos americanos e aliados. Num mundo mais perto do ideal, claro. No mundo real, a coisa é muito pior. O fim da intervenção, resolvido por Donald Trump e agora executado por Joe Biden, abre as portas para o retorno do Talibã, que se reconstituiu como a força dominante no país. Quando estiver perto de tomar as cidades, as forças de segurança treinadas e armadas ao custo de bilhões de dólares terão duas alternativas: aderir, como já fazem em áreas do interior, ou fugir. Não será um espetáculo bonito. William Hague, ex-ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, disse que diplomatas e militares que conhecem bem o país, falando em sigilo, estão simplesmente apavorados com as perspectivas que se antecipam para o Afeganistão.

Eles que se danem, poderia ser a tradução da decisão americana de cair fora. Se os Estados Unidos saíram do Vietnã em circunstâncias muito piores, entregando uma vitória importante ao comunismo que ainda disputava a hegemonia mundial, por que um país estrategicamente menos importante como o Afeganistão não pode ser largado à própria sorte? Os talibãs têm a resposta: continuam a lutar pela criação de um califado ultrafundamentalista e agora têm sede de vingança. E não estão mais sozinhos. Um braço local do Estado Islâmico se desenvolveu no país a partir do Paquistão. Nada de bom pode vir disso. Mesmo fartos de vinte anos de uma guerra prolongada, que deixou 2 800 mortos em suas fileiras e não produziu nenhum filme realmente bom, por mais que queiram os Estados Unidos não podem dar o assunto por encerrado.

Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747

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