Os muito ricos não são tão diferentes assim. Nos Estados Unidos e na Europa, em geral, querem ter o maior iate que o dinheiro pode comprar, batizar um centro de estudos numa universidade de prestígio, eleger políticos importantes.
George Soros quer muito, muito mais. Aos 87 anos, está queimando os últimos cartuchos para moldar o mundo que deseja. No fim do ano passado, transferiu 18 bilhões de dólares de sua fortuna para a rede de organizações que tem pelo mundo, inclusive no Brasil, sob a bandeira da Open Society.
A sociedade aberta, democrática e progressista que financia tem que ser exatamente como ele quer. Se o povo tiver outra ideia, dane-se o povo.
Segundo um documento obtido pelo jornal Telegraph, Soros promoveu uma reunião em seu palacete em Londres exatamente com isso em mente: quer outro plebiscito para derrubar o resultado do Brexit.
A campanha inclui mobilizações de massa, pressão sobre deputados conservadores cujos eleitores se inclinam contra o Brexit, “guerrilha de marketing” e um belo chapéu em Theresa May, a primeira-ministra cujas vacilações estão prejudicando gravemente um acordo com a União Europeia.
As intervenções de Soros antes do plebiscito que resultou em pequena maioria para o Brexit são amplamente conhecidas. E, como no caso de outros figurões, podem ter tido efeito contrário.
No caso dele, especialmente por ter alcançado a fama, ou infâmia, como “o homem que derrubou o Banco da Inglaterra”, ao apostar contra a libra esterlina. Soros fez um bilhão na época, 1992, e muitos inimigos.
Não no mundo das altas finanças, é claro, onde jogadas assim fazem parte da vida e até despertam admiração profissional, mas entre o povão que não gosta de ver sua moeda achincalhada.
Soros definitivamente gosta de ter inimigos. Sua lista atual: Donald Trump, Vladimir Putin, Benjamin Netanyahu, Viktor Orbán e todos os outros centro-europeus que não querem abrir fronteiras à imigração em massa.
Dá uma certa pena ver Theresa May, uma conservadora light, no meio desses pesos pesados. A ideia de que ela será sacrificada, seja pelos que querem ver o Brexit logo, seja pelos que não querem ver o Brexit nunca, já está bastante consolidada.
Mas não deixa de causar um certo espanto ver um grupo de anciães superpoderosos conspirando para passar a perna nela, conforme o relato do Telegraph.
É quase impossível procurar uma opinião imparcial sobre Soros, abominado por todo um amplo espectro que vai da direita convencional aos mais arrebatados conspiracionistas.
Ele próprio não faz questão nenhuma de ser imparcial. Aliás, tem se aproximado do conspiracionismo com sinal inverso. Na última conferência de Davos, disse que Trump quer instaurar um estado mafioso.
Trump pode ser e, em muitos casos, é uma porção de coisas negativas. Mas para que fosse um chefão, teria que ter uma máfia – uma organização criminosa (Pablo Escobar), um aparato de inteligência (Vladimir Putin) ou um grupo político dirigido para a traficância (preencham como acharem melhor).
Um dos maiores problemas de Trump é ser da turma do eu sozinho, sem uma equipe coesa para lhe dar sustentação.
Qualquer crítica a Soros também pode ser jogada no buraco sem fundo da ultradireita e do antissemitismo, inclusive porque estas forças tenebrosas são suas inimigas.
Por isso, não deixa de ser curiosa sua briga com Netanyahu. O primeiro-ministro de Israel diz, não sem razão, que Soros está financiando a campanha contra a atitude um tanto extrema de seu governo contra imigrantes africanos que entraram em Israel antes da construção de uma cerca enorme, no Sinai.
São quase 50 mil clandestinos, na maioria etíopes e sudaneses, que Netanyahu chama de infiltrados. Agora, estão sob ultimato: ou aceitam um bônus de 3 500 dólares e uma passagem só de ida para Ruanda, o país africano que viu vantagens em fazer um acordo com Israel, ou dentro de três meses começarão a ser presos.
A Iniciativa foi considerada algo drástica até entre quem acha que Israel não pode abrir mão de ser um estado judeu. Para os grupos que recebem apoio moral ou material de Soros, é uma abominação.
“George Soros está bancando os protestos”, disse o primeiro-ministro, em declaração vazada por todos os lados e prontamente comparada às posições mais explícitas ainda de Viktor Orbán na Hungria.
O motivo de contencioso é o mesmo: imigração estrangeira. No caso da Hungria e de outros três países que não querem aceitar suas quotas decididas pela União Europeia – Polônia, República Checa e Eslováquia -, são os imigrantes provenientes de países muçulmanos que chegaram em grandes ondas na Europa a partir de 2015.
Soros nasceu numa família judia da Hungria em 1930 com o nome de Gyorgyi Schwartz. Chegou na Inglaterra em 1947 sem nada, exceto uma mente brilhante que o levou à London School of Economics, onde se tornou discípulo de Karl Popper. Tornou-se milionário quando foi para os Estados Unidos, administrando e multiplicando fortunas.
Com o fim do comunismo soviético, tornou-se uma força considerada benigna, financiando instituições e estudos sobre a democracia. O próprio Orbán, o mais intelectualmente sofisticado dirigente da atual direita nacionalista, estudou em Oxford com uma bolsa bancada por Soros.
Enquanto alguns de seus antigos beneficiados iam para a direita, Soros foi para a esquerda. Em Davos, seu discurso teve momentos próximos do delírio, com a descompensada comparação entre Donald Trump e Kim Jong-Un.
“Não apenas o futuro da sociedade aberta, mas a sobrevivência de toda a nossa civilização está em jogo”, disse. O motivo? “Os Estados Unidos caminham para uma guerra nuclear ao se recusarem a aceitar que a Coreia do Norte se tornou uma potência nuclear”, afirmou, irrealisticamente.
A saída, acrescentou, é negociar com a China uma solução que combine incentivos e punições para que o regime norte-coreano aceite congelar sua corrida para desenvolver um arsenal nuclear de alta performance.
O fato de que os americanos estejam fazendo exatamente isso, com a pressão adicional de demonstrações de superioridade bélica, não passou pela cabeça de Soros. Ou foi deliberadamente eliminado?
A sofisticada análise que ele fez sobre a influência e o poder dos monopólios da internet demonstrou que a cabeça do bilionário está funcionando perfeitamente. Só precisaria se lembrar das lições que ensinou e não ceder à tentação de obrigar todos a pensar como ele.
“Sempre que uma teoria parecer como a única possível, considere que isto é um sinal que você não entendeu a teoria nem o problema que ela pretendia resolver.” Palavra de Karl Popper.