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Um vice sensato, um presidente destruído e só doze dias para o fim

Renúncia, impeachment, invocação do artigo constitucional que afasta presidentes: é pouco provável que vingue algo para tirar Trump na reta final

Por Vilma Gryzinski 8 jan 2021, 08h55
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  • Presidente Mike Pence? Esta hipótese teve alta circulação nos momentos febris vividos depois do assalto ao Congresso pela turba insuflada por Donald Trump.

    Afável e esperto, Pence fechou a cara, ciente da gravidade do momento, ao retomar a sessão que certificou a eleição de Joe Biden depois da invasão. Naqueles momentos e imediatamente depois deles, transformou-se no homem mais pressionado dos Estados Unidos.

    Só ele, como vice-presidente, poderia invocar o artigo 25, a emenda constitucional que permite teoricamente – até hoje nunca foi usada – ao conjunto de ministros declarar o presidente “incapaz de exercer os poderes e as obrigações do cargo”.

    O artigo 25 foi incorporado à constituição em 1967. A motivação foi a situação criada com o assassinato de John Kennedy e a posse de Lyndon Johnson, um presidente sem vice, com potencial vazio de poder.

    Fora morte ou incapacitação física, o artigo entreabre a porta para casos de derrocada psíquica ou cognitiva. Seu autor, o senador Birch Bayh, dizia que a linguagem era deliberadamente vaga – para se adaptar a circunstâncias mais fluídas. 

    Abriu caminho, assim, a inúmeros roteiros de ficção sobre vices ambiciosos que depõem um presidente fraco. Ou vices bem intencionados que tiram presidentes perigosos – obviamente, o caso atual.

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    Foi Trump quem rompeu com Pence por causa da decisão do vice-presidente de não contestar a certificação de Joe Biden como presidente, ridicularizando-o no infame discurso que antecedeu a invasão do Congresso.

    E fez mais: proibiu que o chefe de gabinete de Pence, Marc Short, entrasse na Casa Branca depois da derrocada. 

    Short sempre fez a ponte entre Pence e os milionários conservadores como os irmãos Koch que abominavam Trump – uma eleição entre ele ou Hillary Clinton era como “escolher entre câncer e ataque cardíaco”, diziam na época -, mas consideravam o vice-presidente como o porta-voz perfeito de suas ideias.

    Pence cresceu de estatura na hora do vamos ver. Resistiu a Trump, a quem foi tão fiel durante quatro anos, e coordenou a intervenção das forças da ordem para retomar o Congresso, invadido com facilidade tão escandalosa que o comandante da polícia do Capitólio foi obrigado a pedir demissão.

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    Teria interesse – ou obrigação moral – em ser presidente por pouco mais de dez dias? Dificilmente. A crise parece sob controle e Trump aceitou fazer a transição da maneira mais normal possível nas condições extremamente anormais que ele próprio criou.

    Resta o processo de impeachment que os dois principais nomes democrata no Legislativo, Nancy Pelosi, na Câmara, e Chuck Schumer, no Senado, disseram que vão abrir.

    Os dois democratas sabem muito bem que é complicado e até inutilmente arriscado tocar um impeachment no momento – exatamente a razão pela qual tentaram pressionar Pence a fazer o serviço de forma mais rápida.

    “Eles nos deixaram esperando por 25 minutos e depois disseram que o vice-presidente não atenderia o telefone”, reclamou Schumer.

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    Apesar do susto, os democratas estão com todas as vantagens na mão: elegeram o presidente, conseguiram empate no Senado (onde o desempate será feito pela nova vice-presidente Kamala Harris), viram Trump se autodestruir em grande escala e ameaçar levar junto o Partido Republicano.

    Querem garantir que as coisas continuem assim.

    A base de Trump não vai desaparecer num passe de mágica, só porque uma minoria descabeçada resolveu invadir o Congresso e todo mundo está dizendo que o presidente tentou dar um “golpe” – inclusive gente que sabe perfeitamente o que é um golpe de verdade.

    Se quiser concorrer a presidente – possibilidade que cogita “desde que saiu da barriga da mãe”, segundo um conhecido de Indiana -, terá que se reconciliar com eles.

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    Pence tem a simpatia, e boa parte dos votos, do eleitorado evangélico – de família católica, ele se tornou evangélico na época da faculdade, seduzido pelo carismático pastor Billy Graham.

    Isso não vai mudar.

    Só precisa fazer a travessia dos atribulados dias finais de Trump. O Wall Street Journal defendeu em editorial uma alternativa nixoniana ao impeachment ou à invocação do artigo 25: a renúncia.

    Por causa de Trump, os republicanos perderam “a Câmara, a Casa Branca e agora o Senado. Pior ainda, ele traiu seus leais seguidores ao mentir a eles sobre as eleições e a autoridade do Congresso e do senhor Pence para revertê-las. Recusou-se a aceitar a combinação fundamental da democracia, que é aceitar o resultado, quer ganhe ou quer perca”.

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    “Seria melhor para todos, inclusive ele, se fosse embora em silêncio”.

    Ninguém tem ilusões de que isso vai acontecer.

    E se a Coreia do Norte fizer uma loucura exatamente nesse dias finais? Ou o Irã considerar o momento adequado para vingar a morte do general Qassem Soleimani? Ou o Estado Islâmico ressurgir com um grande atentado?

    Sempre restam Pence e o artigo 25.

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