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Vlad, o conquistador: o que vai na cabeça de Putin para lançar guerra

Ele é um “realista pragmático”, segundo o filósofo que criou as bases teóricas para o “grande projeto euroasiático” que inspira o presidente russo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 24 fev 2022, 07h40 - Publicado em 21 fev 2022, 07h31
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  • Por que o maior país do mundo, com extraordinários recursos naturais, quer tomar um vizinho, muito menor e mais fraco? 

    A Rússia não precisa de nada do que a Ucrânia tenha, exceto pela própria Ucrânia e o que ela significa: uma peça vital num projeto de poder muito maior, que coloca o país como centro do “grande projeto euroasiático” traçado pelo homem que faz a cabeça de Vladimir Putin, o filósofo Alexander Dugin.

    Inevitavelmente, ele é  chamado de “Rasputin de Putin” – por coincidência ou não, tem a barba comprida que marca intelectuais e loucos, quando não ambas as coisas, da grande tradição russa de personalidades excêntricas e geniais. O próprio Dugin dá uma versão escorregadia sobre a importância das suas teorias estratégicas sobre Putin: “Minha influência sobre ele é forte, embora indireta”.

    Alexander Dugin
    Alexander Dugin, o ‘Rasputin de Putin’ // (Fars Media Corporation/Wikimedia Commons)

    Ambos são, obrigatoriamente, marcados pelo colapso da União Soviética e o enorme vácuo que deixou. Já virou lugar comum repetir uma frase famosa de Putin sobre a queda do império vermelho – “A maior catástrofe política do século XX” -, mas Dugin traça um trajeto mais específico.

    “A partir de 1991, eu comecei a preencher este vazio disseminando minhas ideias entre o oficialato e os tomadores de decisões, explicando por que os Estados Unidos e o Ocidente continuavam a pressionar a Rússia embora a Guerra Fria tivesse acabado”, diz ele.

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    “Eu falava sobre a importância de uma nova ideia sobre a geopolítica russa que deveria ser diametralmente oposta aos objetivos dos centros irradiadores ocidentais e deveria abranger a criação do bloco eurasiano”.

    “Ele não é um ideólogo, é um realista pragmático, mas entende que a minha visão é a certa se a Rússia quiser se jogar de cabeça nos desafios que virão nos próximos anos”.

    Dugin falou isso em 2018 e as jogadas de Putin parecem espelhar suas teorias, inspiradas, entre outros, numa das figuras mais misteriosas do fascismo italiano, Julius Evora, que misturava ocultismo com uma rejeição a todos os fundamentos do pensamento ocidental, incluindo democracia, liberalismo e cristianismo.

    “Os livros de Evora mudaram minha vida. Nunca tinha visto ninguém descrever as contradições do mundo moderno como ele”, diz Dugin, que se apresenta como um “tradicionalista” e propõe uma “quarta teoria política”, acima da democracia liberal, do marxismo e do fascismo.

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    Nos momentos mais ambiciosos, o “grande projeto euroasiático” vai de Dublin a Vladivostok, numa espécie de delírio de grandeza conduzida por “russos étnicos”. Nos mais realistas, ele reconstrói a esfera russa “tradicional”.

    Nessa visão, restaurar a Ucrânia (e a Belarus) como parte integrante da Rússia não é um capricho de autocrata, um desafio ao Ocidente flagrado num momento de fraqueza, mas uma etapa fundamental no processo de separar a Europa dos Estados Unidos e avançar na criação do grande projeto euroasiático.

    O comentarista inglês Charles Moore resumiu no Telegraph, em termos bem diretos, as motivações de Putin.

    “Vladimir Putin é nosso inimigo. Não quero dizer que ele pessoalmente alimente um ódio escaldante contra nós (embora isso possa ser verdade, apesar de estacionar seu bilhões de origem espúria conosco).”

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    “O que quero dizer é que ele acredita que o Ocidente é o inimigo eterno da Rússia e o melhor para a Rússia é nos derrotar sempre que possível. Quando perdemos, a Rússia ganha, e vice-versa”.

    Esta é, muito simplificadamente, a teoria de Alexander Dugin. Muitas de suas ideias, em especial quando entram na esfera da antiglobalização, são simpáticas ao populismo de direita da Europa, incluindo os partidos liderados por Marine Le Pen, na França, e Matteo Salvini, na Itália. Ele também já teve um encontro com Steve Bannon (“o único intelectual americano familiarizado com Evola e Guenon e interessado em Heidegger”, elogiou).  Daí o elo conceitual entre o putinismo e movimentos conservadores não tradicionais.

    Dugin já criou um Partido Eurásia e o Movimento Internacional Eurasiano. São expressões e ideias que lembram Orwell, quando não teorias supremacistas. 

    “O euroasianismo é uma combinação tóxica de ideias tiradas da metafísica, do simbolismo, do esoterismo e do racismo”, diz a escritora Claude Forthomme. “Tem raízes profundas na bizarra visão histórica etnocêntrica de Dugin na qual a Rússia ocupa o lugar central e o Ocidente a periferia. O liberalismo ocidental é totalmente rejeitado e o povo russo é promovido a senhor do continente. Dugin argumenta que ele surgiu na aurora dos tempos e antecede todos os outros povos. Por isso, tem o direito de mandar nos outros povos do continente euroasiático”.

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    O que Putin aproveita desse cozido e o que ele deixa no fundo do caldeirão?

    Estamos vendo agora. O que parecia inconcebível, dobrar um país inteiro na base da força bruta, está acontecendo em plena Europa. E Alexander Dugin começa a parecer como uma figura bem mais importante do que um guru barbudo cheio de ideias alucinadas.

    Muitas delas constam do site Geopolitica (com o mote “Carthago delenda est”, referência não à cidade adversária de Roma, mas aos inimigos atuais), que tem uma seção voltada para o Brasil, em português – entre outras doze línguas.

    Importante: Dugin é brilhante, cheio de nuances, e reconhece que “é impossível” assimilar a Ucrânia ocidental à Eurasia. 

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    “Nem Stálin conseguiu integrar estes territórios e ele empregou métodos bastante duros”, comenta, obviamente subdimensionando os “métodos” stalinistas.

    “Só deveríamos tomar o que podemos realisticamente assimilar e defender. Stálin entendeu isso muito bem em relação à Europa, procurando em diversas ocasiões a sua ‘finlandização’ ou ‘neutralização’. Não conseguimos assimilar a Europa Oriental e continuar a segurá-la pela força teria sido suicídio”.

    “Construir um império – ou reavivar um império perdido – é uma arte complicada e não é um processo linear ou monótono”.

    De monotonia é o que ninguém pode reclamar nesse momento de intersecção entre a dupla Putin e Dugin.

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