Há décadas a Argentina nos mostra, de maneira clara e inequívoca, como se destrói um país rico, educado e com valores culturais significativos. Quase diariamente sinais de profunda decadência nos chegam de lá, na forma de notícias ruins. E não são poucas. Por que um país com tanto potencial teima em fracassar? Não é fácil responder. Um dos dilemas históricos mais importantes da Argentina é tentar ajustar um modelo de desenvolvimento impulsionado pelo agronegócio, que se beneficia de preços internacionais, a um país protecionista, clientelista e fortemente burocratizado. Trata-se de fórmulas antagônicas que não fecham a conta e não estancam a degradação. Sem um plano de reforma econômica e de estabilização, como ocorreu no Brasil em 1994, com o Plano Real, e sem modernizar o Estado, é improvável que os argentinos recuperem a credibilidade de sua moeda. E, em consequência, continuarão apostando no dólar para vencer a inflação. Curiosamente, sabe-se quais são os problemas do país. Mas nem os políticos nem os setores mais relevantes da sociedade querem pagar o custo de resolvê-los.Certa vez, no fim dos anos 80, um argentino abastado me disse não haver a menor possibilidade de o país dar certo nas décadas seguintes. Para ele, existiam na política componentes suicidas que resultariam em ciclos periódicos de desvalorização cambial, hiperinflação, saques, calote na dívida, protestos e paralisia econômica. Achei-o muito pessimista, mas o tempo lhe deu toda a razão. De lá para cá, as crises se sucederam com regularidade e tudo o que a Argentina conseguiu construir em termos de progresso econômico e social está ruindo. Nem mesmo os periódicos acordos com o FMI servem para acertar o rumo do país. Parece que as lideranças desejam que a Argentina se transforme em uma nova Venezuela.A classe média, esteio da estabilidade econômica do passado, vem sendo arrasada. Mais de 42% dos argentinos são pobres e mais de 10% vivem em situação de indigência. A pobreza puerta adentro das casas chega espalhafatosamente às ruas. Políticas fiscalmente irresponsáveis golpearam a confiança que empresários, trabalhadores e a população em geral tinham na moeda. O desmonte da Argentina resulta de equívocos históricos que incluem populismo, falta de previsibilidade nas regras, burocracia, péssimo ambiente de negócios, gastos excessivos, corporativismo exacerbado, entre outros defeitos. Mas, sobretudo, ausência de lideranças que pensem no futuro do país.A questão central — que, aliás, nos diferencia do país vizinho de modo absoluto — é a falta de confiança nas próprias instituições e na própria moeda. Os brasileiros acreditam no Brasil a ponto de financiar, sem maiores problemas, a sua dívida interna. Já no país vizinho, abastados vivem no dólar, enquanto para os pobres sobram o peso desvalorizado e a hiperinflação. Como somos um país egocêntrico, não damos a devida atenção às tragédias que se desenrolam ao nosso redor. Não demos a devida atenção à Venezuela e não damos a devida atenção à agonia sem fim da Argentina. Devemos observar a Argentina para tirar uma grande lição: a de não cometer seus erros. O que antes era uma decadência com elegância está se transformando em um salve-se quem puder.Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801