O Brasil iniciou 2020 em alta voltagem política e abalado pela epidemia de coronavírus. O confronto do ano passado manteve-se na agenda. A temperatura política elevada, além de favorecer conflitos e disputas, antecipa os movimentos sucessórios de 2022. Esperava-se que as boas expectativas econômicas e as declarações reformistas de Rodrigo Maia e de Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, aliviassem as tensões políticas. Não foi o que aconteceu, visto que o governo tem como estratégia manter o embate ideológico acirrado. Para tal, usa de uma narrativa dura e agressiva contra aqueles que identifica como adversários. Qual a lógica?
Com os ataques, feitos a partir de um discurso “neotenentista” e anti-establishment político, o presidente Jair Bolsonaro visa a manter mobilizado o eleitorado que o elegeu. Com esse grupo agradado, pensa que poderá estar no segundo turno das eleições de 2022. E o Congresso? Desde que Jair Bolsonaro decidiu não praticar o presidencialismo de coalizão, a Casa resolveu atuar com maior autonomia em relação à agenda do Executivo. O sinal foi dado já no ínicio do governo, quando um decreto legislativo revogou o decreto presidencial sobre o sigilo de documentos.
Com os ataques ao Congresso, o governo quer manter mobilizado o eleitorado que elegeu Bolsonaro
A situação foi agravada com declarações hostis aos parlamentares que resultaram no desejo de fortalecimento das prerrogativas do Congresso, além de uma incursão mais aguda no controle do Orçamento da União. Esses fatos são justificados como um reencontro do Legislativo com as próprias prerrogativas, de modo a reequilibrar uma relação institucional marcada, tradicionalmente, pelo hiperpresidencialismo. Mas é mera reação à maneira política de o governo atuar.
Nos subterrâneos da política, a lei da sobrevivência impera. A resposta ao fim do presidencialismo de coalizão se transformou em uma busca por maior controle sobre o Orçamento da União e as votações. A agenda do Congresso não é só orçamentária e, como Maia diz, a Casa apoiará as reformas, conforme tem feito desde o governo Michel Temer. E qual é a lógica do apoio às reformas? Para o comando do Legislativo, elas liberam as forças produtivas do país, restabelecem o prestígio da classe política junto às elites e permitem que a arrecadação ganhe folga, a partir de uma melhor fiscalização, para que mais políticas públicas possam ser implementadas.
Mas a questão não é só uma disputa pela agenda de hoje. Tanto o governo Bolsonaro quanto as lideranças do Congresso, representadas por Maia e Alcolumbre, sabem que o controle da agenda política será fundamental na corrida pela sucessão. Não havendo um movimento de conciliação que leve à construção de uma base política pró-governo, o conflito prosseguirá. Quanto ao governo, alimentar o confronto pode ser uma estratégia para manter sua base eleitoral mobilizada. Já no Legislativo a questão é mais complexa, porque existem conflitos de interesses entre as duas Casas e disputas antecipadas sobre a sucessão dos presidentes da Câmara e do Senado. Mas não se iludam. Os embates de hoje precedem movimentos de 2022. Existe risco para o pacote de reformas que ainda temos de aprovar? É claro que sim. A manutenção do conflito é ruim. Paradoxalmente, os efeitos econômicos da epidemia de coronavírus podem provocar um chamamento à responsabilidade, para que se mantenha o avanço das reformas na ordem do dia.
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678