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Cuidado com “as portas dos fundos”

Decisão sobre 5G deve considerar privacidade e interesse nacional

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 13h42 - Publicado em 31 jul 2020, 06h00

Estamos às portas de mais uma profunda revolução tecnológica. No entanto, ainda não digerimos nem regulamos adequadamente os efeitos daquela provocada pela chegada da internet e pela disseminação das redes sociais. No campo político, a proliferação de fake news vem desafiando as instituições. Ninguém ainda conseguiu, porém, dar resposta adequada ao tema. No Brasil, a imprensa, que pode ser responsabilizada e punida por divulgar informações falsas, hesita em reconhecer a necessidade de atribuir punições também às plataformas digitais.

O tema irresoluto das fake news pode ganhar nova e indesejável força com o advento do 5G, devido à possibilidade de a nova tecnologia interferir no cotidiano das pessoas. Vamos sair da era das fake news para entrar nos tempos dos fake behaviors. O que seria isso? A tecnologia 5G poderá, para o bem e para o mal, facilitar a automação de máquinas e de equipamentos e potencializar a inteligência artificial. Assim, sem a devida segurança, a rede 5G pode virar uma via expressa para manipular o comportamento de máquinas, potencializar a difusão de informações falsas, afetar o funcionamento do mercado financeiro, entre outras coisas.

Um exemplo: automóveis sem motorista poderão ser comandados por instruções transmitidas por 5G, assim como máquinas colheitadeiras no campo e supercaminhões na mineração. Sem a devida segurança, tais instruções podem ser manipuladas. No mercado financeiro, um “nano” atraso proposital na transmissão de ordens financeiras pode provocar assimetrias e causar impacto global nos mercados.

“Sem segurança, a rede 5G pode ser uma via para manipular máquinas e difundir informações falsas”

As palavras-chave, portanto, serão confiança e comprometimento com a segurança do sistema. Essa integridade deverá seguir um conjunto de práticas que assegurem que as informações veiculadas não sejam manipuladas. O Brasil, que ainda não oferece um sistema estável e adequado de telefonia celular, vai implantar o 5G. Não é uma decisão trivial, uma vez que envolve investimentos, segurança e confiança no sistema.

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Partindo desses vetores, países questionam a participação da chinesa Huawei no processo. Estados Unidos, Inglaterra, França, Grécia e Suécia afastaram a empresa por temerem espionagem. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a escolha do sistema 5G atenderá aos interesses da soberania nacional, da segurança de dados e da nossa política externa. Bom ponto de partida, mas não suficiente.

A escolha deve garantir que governos estrangeiros, sejam quais forem, não tenham acesso ao sistema. Deve haver comprometimento expresso com práticas de transparência, controle e segurança. A governança do sistema deve ser ampla. Na medida do possível, o sistema escolhido para ser adotado no Brasil deve impedir a existência de “portas dos fundos” que permitam o vazamento de informações e a interferência em dados e instruções. Como se vê, o debate vai muito além da questão da escolha da melhor tecnologia ou da tecnologia mais barata. Isso pode afetar o papel do Brasil no mundo, sua capacidade de proteger seus interesses, a competitividade de nossas exportações, a integridade de nossos mercados de capitais e, sobretudo, a privacidade de seus cidadãos.

Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698

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