Estamos às portas de mais uma profunda revolução tecnológica. No entanto, ainda não digerimos nem regulamos adequadamente os efeitos daquela provocada pela chegada da internet e pela disseminação das redes sociais. No campo político, a proliferação de fake news vem desafiando as instituições. Ninguém ainda conseguiu, porém, dar resposta adequada ao tema. No Brasil, a imprensa, que pode ser responsabilizada e punida por divulgar informações falsas, hesita em reconhecer a necessidade de atribuir punições também às plataformas digitais.
O tema irresoluto das fake news pode ganhar nova e indesejável força com o advento do 5G, devido à possibilidade de a nova tecnologia interferir no cotidiano das pessoas. Vamos sair da era das fake news para entrar nos tempos dos fake behaviors. O que seria isso? A tecnologia 5G poderá, para o bem e para o mal, facilitar a automação de máquinas e de equipamentos e potencializar a inteligência artificial. Assim, sem a devida segurança, a rede 5G pode virar uma via expressa para manipular o comportamento de máquinas, potencializar a difusão de informações falsas, afetar o funcionamento do mercado financeiro, entre outras coisas.
Um exemplo: automóveis sem motorista poderão ser comandados por instruções transmitidas por 5G, assim como máquinas colheitadeiras no campo e supercaminhões na mineração. Sem a devida segurança, tais instruções podem ser manipuladas. No mercado financeiro, um “nano” atraso proposital na transmissão de ordens financeiras pode provocar assimetrias e causar impacto global nos mercados.
“Sem segurança, a rede 5G pode ser uma via para manipular máquinas e difundir informações falsas”
As palavras-chave, portanto, serão confiança e comprometimento com a segurança do sistema. Essa integridade deverá seguir um conjunto de práticas que assegurem que as informações veiculadas não sejam manipuladas. O Brasil, que ainda não oferece um sistema estável e adequado de telefonia celular, vai implantar o 5G. Não é uma decisão trivial, uma vez que envolve investimentos, segurança e confiança no sistema.
Partindo desses vetores, países questionam a participação da chinesa Huawei no processo. Estados Unidos, Inglaterra, França, Grécia e Suécia afastaram a empresa por temerem espionagem. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a escolha do sistema 5G atenderá aos interesses da soberania nacional, da segurança de dados e da nossa política externa. Bom ponto de partida, mas não suficiente.
A escolha deve garantir que governos estrangeiros, sejam quais forem, não tenham acesso ao sistema. Deve haver comprometimento expresso com práticas de transparência, controle e segurança. A governança do sistema deve ser ampla. Na medida do possível, o sistema escolhido para ser adotado no Brasil deve impedir a existência de “portas dos fundos” que permitam o vazamento de informações e a interferência em dados e instruções. Como se vê, o debate vai muito além da questão da escolha da melhor tecnologia ou da tecnologia mais barata. Isso pode afetar o papel do Brasil no mundo, sua capacidade de proteger seus interesses, a competitividade de nossas exportações, a integridade de nossos mercados de capitais e, sobretudo, a privacidade de seus cidadãos.
Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698