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IOF: Judicialização como Declaração de Guerra

A judicialização constante, especialmente quando provocada pelo próprio Executivo, transforma o STF em supergoverno e compromete sua autoridade

Por Murillo Aragão 1 jul 2025, 16h18

A decisão do governo federal de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a derrubada, pelo Congresso Nacional, do decreto que aumentava as alíquotas do IOF sobre operações de crédito provocou uma reação explosiva. Líderes da Câmara classificaram o movimento como uma “declaração de guerra” institucional. A linguagem não é mero exagero retórico: expõe uma ruptura explícita na relação entre Executivo e Legislativo e revela um vício crescente na política brasileira — a judicialização sistemática das derrotas políticas.

Historicamente, o relacionamento entre os Poderes da República oscila entre cooperação, tensão e negociação. No presidencialismo de coalizão brasileiro, esse equilíbrio exige articulação política sofisticada por parte do Executivo. Quando essa coordenação falha — por inépcia, arrogância ou simples desorganização —, os conflitos naturais do sistema degeneram em disputas institucionais perigosas.

O caso do IOF é exemplar dessa deterioração. A decisão do Congresso de sustar o decreto presidencial foi rigorosamente legítima, amparada no artigo 49, inciso V da Constituição, que confere ao Parlamento o poder de invalidar atos normativos do Executivo que extrapolem o poder regulamentar. O recurso imediato ao STF, portanto, não constitui uma questão técnica sobre legalidade, mas um gesto político que instrumentaliza o Judiciário como arma contra o Legislativo.

A iniciativa de judicializar a questão movimento mina a institucionalidade republicana em suas bases além de ser o abandono de um processo de negociação que deveria ocorrer. Quando o Executivo judicializa suas derrotas no Congresso, transmite uma mensagem inequívoca: não reconhece os limites constitucionais do seu poder nem o papel autônomo do Parlamento. Trata-se de um deslocamento perigoso do conflito — do campo político, onde deve ser resolvido, para o jurídico, onde não deveria estar.

É possível identificar aqui um padrão consolidado nos últimos anos: incapaz de formar uma base sólida no Congresso, o Executivo governa por medidas provisórias, decretos e regulamentações administrativas. Quando contestado pelo Legislativo, recorre sistematicamente à judicialização. O resultado é a hipertrofia do STF, compelido a decidir sobre questões orçamentárias, fiscais e regulatórias — todas de natureza essencialmente política.

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O efeito colateral é devastador: a corrosão da confiança mútua entre os Poderes. Quando líderes parlamentares falam em “declaração de guerra”, reconhecem que o governo rompeu unilateralmente com os mecanismos de diálogo que sustentam o sistema democrático. Em vez de buscar recomposição política, prefere transformar o STF em procurador de seus interesses.

O uso instrumental do Judiciário revela o esgotamento da articulação política tradicional e o enfraquecimento da governabilidade baseada em consensos mínimos. A política é substituída pelo litígio. O Parlamento é contornado. O Judiciário é pressionado. E a democracia representativa perde legitimidade.

Não se trata de negar o papel constitucional do STF na mediação de conflitos institucionais. O problema está na frequência e na motivação desses conflitos. A judicialização constante, especialmente quando provocada pelo próprio Executivo, transforma o STF em supergoverno e compromete sua autoridade ao colocá-lo no centro de embates em que deveria ter apenas papel subsidiário.

A crise desencadeada pela judicialização do decreto do IOF é mais um capítulo da estado pre-falimentar da coordenação interinstitucional brasileira. A “declaração de guerra” simbólica do Congresso funciona como alerta: ou se restabelece o canal legítimo do diálogo entre os Poderes — por meio da política —, ou o país permanecerá prisioneiro de uma lógica de confronto contínuo e paralisia decisória.

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