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O colonialismo judicial

Ação no Reino Unido sobre Mariana enfraquece soberania brasileira

Por Murillo de Aragão 26 out 2024, 08h00

Os chamados “fundos abutres”, especializados em financiar litígios de alto potencial de retorno financeiro, têm se voltado para ações contra empresas brasileiras de mineração, petroquímicas, sucroalcooleiras e agroindustriais. Embora frequentemente aleguem atuar em nome da justiça social e da reparação de vítimas, o que está em jogo, na maioria das vezes, são interesses financeiros escusos travestidos de preocupações humanitárias.

Ao buscar jurisdições estrangeiras, os fundos colocam não só as corporações brasileiras sob ataque, mas a Justiça do país. A preferência por tribunais internacionais é estratégia clara de descredibilização do nosso sistema judiciário. Para que casos possam ser julgados fora do Brasil, os fundos criam vínculos mínimos das empresas com jurisdições estrangeiras, como Londres ou Amsterdã, onde muitas corporações têm operações.

O caso de Mariana é um exemplo contundente. Em 2022, a Corte de Apelação do Reino Unido decidiu que uma ação coletiva contra a BHP poderia seguir nos tribunais ingleses, desconsiderando as ações já em curso no Brasil. A justificativa? A alegada “ineficiência” da Justiça brasileira. Trata-se de uma crítica infundada, que não apenas desrespeita as instituições do país como ignora o fato de que nosso sistema judiciário, ao contrário do de muitos estrangeiros, é acessível a todos, independentemente de condição econômica. Empresas como Vale, Braskem e Minerva, alvos desses fundos, têm operações globais, o que facilita a criação de suposto vínculo jurídico para ações fora do Brasil. No entanto, permitir que tribunais estrangeiros se sobreponham às jurisdições nacionais implica enfraquecimento da soberania brasileira sobre seus litígios e vulnerabilidade dessas empresas diante de interesses externos.

“É preciso reforçar a capacidade do país de julgar seus casos e de proteger suas empresas”

Recentemente, o ministro Flávio Dino, do Supremo, proibiu 46 municípios afetados pelo desastre de Mariana de pagar honorários em ações no exterior, um marco importante na contenção de práticas abusivas e protecionistas por parte de bancas estrangeiras. Dino corretamente apontou que tais contratos, especialmente os baseados em êxito (ad exitum), são, além de ilegais, antieconômicos, comprometendo o patrimônio público.

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Essas ações promovem não apenas uma distorção da justiça, mas uma subversão do interesse nacional em favor de ganhos privados. A soberania do país e a integridade de suas instituições jurídicas precisam ser preservadas contra esse tipo de interferência externa, que, no final das contas, visa unicamente a maximização de lucros, sem qualquer compromisso real com a justiça ou com a reparação das vítimas. É preciso reforçar a capacidade do Brasil de julgar seus casos e de proteger suas empresas contra essas investidas especulativas que enfraquecem a economia e a imagem do país no cenário internacional.

Ao permitir que esses litígios sejam transferidos para tribunais estrangeiros, arriscamos as finanças dessas empresas, a reputação e a autonomia do Judiciário brasileiro. O Brasil possui capacidade institucional para lidar com seus problemas, sem a interferência de atores internacionais cuja única motivação é o lucro. A continuidade dessas práticas ameaça os interesses corporativos nacionais e a soberania jurídica do país, criando um cenário em que a instabilidade e a litigância oportunista se tornam as regras do jogo.

Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916

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