Neste momento, meados de fevereiro, a disputa presidencial se dá em torno de duas narrativas. A do ex-presidente Lula (PT) e a do presidente Jair Bolsonaro (PL), que pontificam com suas visões de mundo canalizando, majoritariamente, as preferências do eleitorado. As demais opções aparecem apenas como lampejos de esperanças. No entanto, nem tudo é o que parece. Não se pode afirmar que Lula será o próximo presidente do Brasil, ainda que seu favoritismo hoje seja inequívoco.
Basicamente, por algumas razões. A primeira é que Lula continua a abordar temas que afastam setores do eleitorado menos corporativistas e esquerdistas. Temas que já estão superados e que só agradam ao seu eleitorado cativo, que está longe de ser majoritário. Lula, assim como Bolsonaro, precisa de votos de eleitores que não são afeitos a temas de natureza ideológica e buscam solução para problemas concretos do dia a dia. A segunda razão é que o brasileiro ainda não está tão preocupado com as eleições quanto a imprensa quer fazer crer. Para o cidadão comum, há mais coisas em que pensar neste momento do que no próximo presidente da República. No momento, os desafios da vida são mais urgentes para a maioria do que uma reflexão aprofundada sobre as eleições.
“Para o cidadão comum, há mais coisas em que pensar neste momento do que no próximo presidente”
A terceira questão, pouco destacada na imprensa especializada, é que, nas pesquisas espontâneas de intenção de voto, o ponteiro Lula aponta, em média, para 35%. Já Bolsonaro aparece com 23% da preferência. No tracking que a Atlas Intel promove em parceria com a Arko Advice, a diferença se revelou ainda mais intrigante nas últimas semanas. Lula aparece com cerca de 44%, e Bolsonaro, com cerca de 36%. A distância entre ambos não é impossível de ser superada. Vale destacar que Jair Bolsonaro, mesmo com elevada rejeição, mantém uma intenção de voto relevante que pode ser turbinada por iniciativas do governo.
O quarto ponto que abordo está no fato de que, no momento, ainda é elevado o número de eleitores que não querem nem Lula nem Bolsonaro. Cerca de 14% do eleitorado se divide entre os demais candidatos e aproximadamente 25% do eleitorado ainda não escolheu em quem votar. É um espaço robusto para a ocorrência de surpresas. Em especial se os candidatos se unirem ou um novo nome aparecer na disputa. Também merece atenção o fato de que teremos a propaganda partidária sendo exibida na televisão nos próximos meses. Ainda que o Tribunal Superior Eleitoral tenha proibido o uso do espaço para divulgar candidaturas, ele será utilizado para colocar questões eleitorais que podem afetar o desempenho dos ponteiros.
É fato que, entre março e outubro, ocorrerá uma sucessão de eventos com potencial político relevante. A saber: janela partidária para deputados mudarem de partido; desincompatibilização de ministros e governadores que disputarão as eleições; debate sobre federação de partidos; propaganda partidária no rádio e televisão; e as convenções partidárias. Considerando o calendário, os fatores apontados e a certeza de que o acaso sempre aparece para contrariar as previsões, a corrida eleitoral está longe de definida.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777