
Uma das questões mais essenciais para o político é o uso estratégico do tempo — o que os anglo-saxões chamam de timing. O tempo não é uma variável neutra: ele pode ser aliado ou inimigo, dependendo de como é administrado. Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, já alertava sobre a sua importância ao afirmar que “a ocasião faz o homem”. Para ele, o governante precisa não só ser virtuoso (no sentido da virtù renascentista, que envolve habilidade e sagacidade), mas saber reconhecer a fortuna — oportunidades oferecidas pelo tempo e contexto — e agir rapidamente para aproveitá-la.
O timing político envolve uma leitura aguçada do cenário, uma sensibilidade quase instintiva para antecipar movimentos adversários e uma disciplina para não se precipitar. O filósofo francês Pierre Bourdieu também contribui para essa reflexão ao apontar que o tempo possui uma dimensão simbólica: quem o controla, controla o jogo. Perder o timing pode significar a perda de apoio político, o esvaziamento de pautas importantes e, em casos extremos, o próprio colapso do governo.
Sob essa perspectiva, ao analisar o governo Lula 3, o resultado é preocupante. Há uma demora injustificada na tomada de decisões, o que compromete a eficácia e a capacidade de governabilidade. Governos com popularidade em declínio tendem a ter sua vida útil encurtada. Em pouco mais de doze meses, veremos a saída de ministros para disputar as eleições. Já no segundo semestre deste ano, o Centrão estará focado nas eleições e abandonará qualquer agenda mais complexa. Um exemplo é o Orçamento de 2026, que promete uma disputa mais acirrada que o deste ano — que, pasmem, ainda não foi votado.
“A nomeação de Gleisi indica que o governo preferiu reforçar sua bolha a ampliar o diálogo com o Congresso”
No quesito timing, o governo Lula 3 tem sido perdulário. Se fosse uma partida de futebol, estaria se aproximando da metade do segundo tempo, sem grandes resultados no placar. Para reverter, Lula precisaria virar o jogo rapidamente e encerrar o ano com uma imagem forte e favorita para 2026. Qualquer dúvida sobre seu desempenho ou a certeza de fracasso pode precipitar o declínio de seu governo. A sensação que permeia o ambiente político é a de um certo declínio cognitivo, uma paralisia sobre o que deve ser feito para fortalecer a governabilidade.
A nomeação de Gleisi Hoffmann para a coordenação política é preocupante. Desagradou a aliados e oposição ao indicar que o governo preferiu reforçar sua bolha a ampliar o diálogo no Congresso. Com tempo curto, desafios fiscais crescentes e uma reforma ministerial que não deve entregar grandes resultados, o petista reforça expectativas negativas e cria a sensação de que seu terceiro mandato pode estar acabando sem ter começado de fato.
Embora Lula tenha um histórico de superação, como no mensalão, quando conseguiu se reeleger e eleger Dilma, a sensação agora é a de que o estoque de mágicas pode estar se esgotando. O tempo da governabilidade está encurtado por perspectivas negativas e pela demora em atuar para revertê-las. O mau uso do tempo pode ser fatal, e a falta de uma leitura correta do cenário revela um declínio relevante na capacidade de interpretar os fatos. Assim, o governo enfrentará um cenário complexo e desafiador para reverter as expectativas.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934