Caso seja mantida a abordagem “meio barro, meio tijolo” no combate do problema econômico gerado pela Covid-19, o Brasil não sairá da pandemia de forma rápida nem intensa. É claro que alguns setores podem despertar fortes e dinâmicos na cena pós-pandemia. Uns serão seriamente atingidos e outros, devastados. Mas, no geral, o cenário aponta para um despertar lento e inconsistente se nada for feito.
ASSINE VEJA
Clique e AssineO que limita a intensidade da nossa retomada? Dois fatos são claros. O primeiro se refere às escolhas que estamos fazendo, que revelam que o Brasil ainda não acordou para a gravidade do problema. As medidas adotadas podem, no máximo, reduzir a intensidade da queda, mas não propiciam uma retomada. Principalmente pelo tamanho dos problemas que já existiam antes da pandemia. O segundo fato refere-se à contaminação das expectativas pela crise política, aliada à ausência de uma comunicação estratégica com a sociedade por parte das autoridades.
O que fazer? As medidas adotadas, algumas louváveis, como o “coronavoucher”, devem ser gradualmente substituídas por programas de geração de emprego. Recursos devem ser alocados para garantir o crédito necessário aos investidores. Apesar de o governo não gostar da expressão Plano Marshall, vamos precisar de um plano, e algumas vertentes dele são cristalinas. Temos mais de 14 000 obras públicas paradas em todo o país. Temos um programa de saneamento de amplitude nacional a ser implantado e diversas concessões e privatizações a ser realizadas. Podemos, ainda, investir na urbanização de favelas e comunidades. Tudo gerando emprego, renda e impostos. São medidas que fazem a economia girar e voltar a funcionar, além de diminuir o desemprego. A prometida desburocratização do sistema tributário ainda não aconteceu. Com ela a economia poderia ganhar vitalidade.
“O mercado deveria se preocupar com a intensidade da crise, que pode destruir instituições”
A preocupação da maioria no mercado é com relação ao aumento da dívida pública e, consequentemente, à perenidade dos gastos públicos. Na verdade, o mercado deveria se preocupar com a intensidade da crise econômica, que pode destruir instituições e abalar a própria democracia.
A existência da nossa democracia também está ligada à qualidade das nossas expectativas. Esse é o outro fato que devemos considerar. Infelizmente, o noticiário está sendo poluído por notícias que refletem crises relevantes. E crises de narrativas alimentam novas crises. Está havendo uma perversa dinâmica “retroalimentadora” de crises a partir de problemas reais e de conflitos periféricos para o momento.
O noticiário reflete também uma guerra cultural declarada desde as eleições e que envolve conflitos institucionais — governo versus imprensa — e disputas entre poderes. Para alguns, dentro e fora do governo, a guerra cultural é mais importante que a guerra contra o novo coronavírus e contra os efeitos dramáticos da crise econômica que já estamos vivendo.
O Brasil, lamentavelmente e até agora, está cumprindo o que disse Roberto Campos: não desperdiçamos a oportunidade de perder oportunidades. A crise representa um desafio e uma oportunidade e exige que se pense dentro e fora da caixa. Até agora estamos pensando mal dentro das nossas caixinhas, o que não atende aos nossos interesses maiores.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691