O período eleitoral que ora se inicia impõe uma séria reflexão sobre o Brasil. As decisões que tomaremos no ano que vem podem aprofundar a crise herdada da pandemia, apontar uma saída virtuosa ou, o mais provável, sugerir uma evolução aos trancos e barrancos determinada pelas circunstâncias.
Até agora nenhum dos candidatos se justificou além de palavras. Nenhum diagnóstico preciso do momento foi realizado. Pouco além de apontar o dedo para os defeitos dos outros foi apresentado. A incerteza dos propósitos e a dúvida sobre o ciclo de reformas trazem uma densa névoa sobre o futuro próximo.
Para agravar a cena, o período eleitoral que se inicia é ressaltado tanto pela polarização oca que domina o debate quanto pelas graves sequelas da pandemia. Mas a reflexão sobre o tema deve, de forma imparcial, reconhecer que os fundamentos do Brasil são melhores do que parecem.
O lado positivo decorre do fato de o Brasil ser uma cash cow de moeda forte, com as exportações de commodities. A dívida não explodiu, como muitos previam. Nossas reservas são sólidas, as instituições funcionam, temos um mercado consumidor relevante e um apetite para o empreendedorismo que se mostra promissor.
“A incerteza dos propósitos dos candidatos traz uma densa névoa sobre o futuro próximo”
No entanto, os bons fundamentos não estão impedindo o mau humor do mercado, que, por sua vez, contamina negativamente as perspectivas. Entre o que temos de bom, as deficiências estruturais e a polarização oca predominante, surgem turbulências geradas pelas incertezas que se apresentam.
A pauta de temores começa com a incapacidade de o governo expor uma agenda clara e de construir consensos em torno dela. Temas relevantes estão sendo soterrados pelo ciclo eleitoral. Existem dúvidas sobre a continuidade do ciclo de reformas. Qualquer político que venha a governar o Brasil em 2023 deveria apoiar seu aprofundamento. Mas, evidentemente, não se considera tal hipótese por temer danos eleitorais. O segundo fator refere-se à incerteza sobre a solidez da política fiscal brasileira, mesmo com o governo reduzindo despesas.
A questão fiscal vai além, com a “surpresa” dos precatórios e a ainda incerta manutenção do teto de gastos. Misturam-se aí a falta de clareza e a incompetência de se antecipar a problemas que já estavam no radar. Os precatórios, por exemplo, são temas do passado que atormentam o futuro das contas públicas.
A lista de temores invade a seara eleitoral e robustece as hesitações. A polarização Bolsonaro versus Lula está dada? Caso esteja, Bolsonaro será mais reformista se eleito? E Lula, caso eleito, será mais “Lula” ou mais “Dilma”? Existe chance para a terceira via? E quem pode se viabilizar? Qual candidato do PSDB? Sergio Moro — que está em ascensão — vai se consolidar como candidato? Afinal, o que eles propõem?
Para reduzir as incertezas, o mundo político deve buscar uma agenda que traga previsibilidade. Agendas semiadormecidas no Congresso Nacional devem ser debatidas, além da pauta dos precatórios e do Auxílio Brasil. Caso contrário, as tensões do período eleitoral vão machucar ainda mais um país que já está muito ferido.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766