O mercado de câmbio primário – formado por operações de exportações, importações, entradas e saídas financeiras e acessível a qualquer pessoa física ou jurídica – movimentou no Brasil, no primeiro semestre de 2022, US$ 843 bilhões. Trata-se de uma diferença de US$ 96 bilhões comparando com o mesmo período de 2021 que ficou em US$ 747 bilhões. Ou seja, um crescimento de 13%. Isso mostra que após dois anos estagnado por causa dos efeitos da pandemia, o setor está em franco crescimento, coincidindo com medidas a ser adotadas pelo Banco Central para desburocratizar as operações e ampliar o número de players – reduzindo, assim, a concentração de movimentações nos grandes bancos. “Há um fluxo de serviços cambiais cada vez maior”, afirma Ana Tena, CEO da Travelex Confidence.
Formada em administração e direito, Ana sempre gostou da área financeira. Passou por bancos como HSBC e Citibank, onde exerceu a atividade de CFO. Agora, está à frente da Travelex Confidence, corretora que opera no Brasil há sete anos, com trajetória de 20 anos em outros países, e conta hoje com quatro milhões de clientes e atendimento em 110 lojas de câmbio espalhadas pelo País, abertas nos mesmos horários dos shoppings. “Luxo, hoje, é o atendimento pessoal, porque está ficando cada vez mais difícil falar com alguém”, diz ela. O grupo tem ainda um banco de câmbio para fazer remessas internacionais e auxiliar nas transações em importações e exportações. Ou seja, trabalha no atendimento de B2B e B2C.
Atualmente, o mercado de câmbio no Brasil é considerado extremamente regulado e burocrático, com mais de 100 especificações para transações como remessa e pagamento internacional, além dos impostos. “Mas o impacto da nova legislação para a pessoa jurídica – como o setor de agronegócios – deverá ser significativo, na medida em que simplificará as transações cambiais”, completa. Ela deu a seguinte entrevista à coluna:
Como está hoje, no pós-pandemia, o mercado de câmbio no Brasil?
Durante a pandemia, houve uma diminuição no turismo. Mas agora o mercado de câmbio se expandiu por causa da globalização e da venda de produtos e serviços externos, apesar da retração do turismo no Brasil. O home office, por exemplo, mudou muito esse mercado, porque se pode trabalhar no País e também fora dele, e o mercado de câmbio acabou tendo impacto nesse sentido no atendimento dos profissionais. Então, há um fluxo de serviços cambiais cada vez maior. Não é somente um mercado relacionado ao turismo. O brasileiro acaba sendo beneficiado porque tem acesso a produtos globalizados.
Qual é o estilo do brasileiro?
É completamente americano. Ou seja, o dólar é sempre recorrente como base de investimento. Hoje, entre 50% e 60% do fluxo cambial é relacionado ao dólar, porque é a referência de todas as outras moedas no mundo. Ou seja, o dólar ainda é o melhor hedge cambial – de proteção cambial – tanto para pessoa física quanto jurídica, porque a volatilidade da moeda brasileira é muito grande. E variações de 3% a 4% no câmbio do exportador pode impactar na margem de lucro. Para a pessoa física também: se você tem um filho que estuda lá fora e poupa em reais para depois fazer o pagamento em outra moeda, vai enfrentar grande volatilidade do real.
O Brasil está prestes a mudar a legislação do mercado de câmbio, que deverá ocorrer no fim de dezembro. Quais são as principais mudanças e impactos dessa nova legislação?
Em relação à pessoa física, ela vai desburocratizar e desregulamentar muitos itens, para se ter acesso ao mercado internacional com mais facilidade. O impacto para pessoas físicas vai ser muito pequeno. Por exemplo, hoje, o limite de recursos em espécie que cada passageiro pode portar ao entrar ou sair do Brasil é R$ 10 mil. Com a nova lei, este limite passa a ser USD 10 mil. É um dos pontos que temos discutido com a Febraban e com o Banco Central.
E para pessoa jurídica, qual o impacto?
O mercado de câmbio no Brasil é extremamente regulado e burocrático. Existem mais de 100 classificações para enquadrar uma transação, com impostos diferentes e registro no Banco Central. Com a nova legislação, por exemplo, transações de até US$ 50 mil poderão ser classificadas em apenas dez naturezas. Vai simplificar ao desburocratizar e dar maior facilidade e agilidade nas transações. Ou seja, vai flexibilizar para que cada instituição financeira crie o seu formato. As operações poderão ser formalizadas por e-mail, sem a necessidade de se fazer um contrato e ter de assinar e a corretora ter de fazer essa guarda do contrato durante anos. Hoje, as instituições têm de passar por um banco para fazer suas operações como pagamentos internacionais. Com a mudança as instituições de câmbio também poderão pedir licença para ter a conta internacional e fazer as movimentações livremente. E isso vai permitir mais players no mercado.
Essa regulamentação ajudará a criar um ‘Pix internacional’?
Sim. Terá de ser feito em fases até o dia em que o cliente conseguir fazer a operação de forma imediata – vai e volta –, como é hoje com o Pix no Brasil. É um processo que tem de ser faseado e feito de forma a dar segurança para o usuário. Não podemos ter o risco de enviar o recurso para um lugar e ele não chegar.
O ‘Pix internacional’ vai impactar os players desse mercado?
Sim, haverá um impacto em todo o mercado financeiro. E também haverá oportunidade. É um caminho sem volta. O brasileiro poderá fazer uma transação mais simples com menor esforço de serviços prestados. Mas todo o mercado financeiro está se adaptando a esse novo ambiente. Hoje, as corretoras trabalham com teto de US$ 300 mil. Acima disso, as transações têm de ser feitas por bancos, que não têm essa limitação. Isso poderá mudar.
E como fica o IOF? Haverá algum impacto?
Sim, haverá impacto no IOF, previsto para que seja reduzido paulatinamente até 2029, quando estará zerado, por acordo internacional com a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Há algum impacto com o resultado das eleições presidenciais?
Sim, as eleições impactam. Mas é uma volatilidade temporária. A volatilidade no mercado nacional é o ‘novo normal’. Até porque tem influência global também e não somente na questão interna. Há muitas incertezas internas e externas. É o que sempre falo: volatilidade e incerteza viraram o nosso ‘novo normal’. Mas seja quem for que venha a presidir o País, as instituições estão fortalecidas. É um caminho sem volta.
O brasileiro está preparado para todas essas mudanças?
Em mercados complexos tem de se ter educação financeira, e o Brasil tem um grande caminho a ser percorrido. A desintermediação que está vindo será muito favorável para o usuário do sistema financeiro, mas tem de haver uma melhora na educação financeira do brasileiro. E assim se terá um sistema mais transparente e haverá mais players que oferecerão produtos e cada vez mais garantias.