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Guerra fiscal: o Rio de Janeiro cria benefício fiscal inconstitucional

Medida estende a guerra fiscal entre municípios de um mesmo Estado. É o que denuncia o procurador André Maluf.

Por Neuza Sanches Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 2 fev 2023, 09h00

O Rio de Janeiro acaba de criar um dispositivo jurídico que irá fomentar e estender a guerra fiscal entre os municípios de um mesmo Estado. É o que o procurador André Luiz Maluf denuncia nesta entrevista. Com o governo Lula tentando acelerar a tramitação de proposta de reforma tributária, os Estados já começam a se mexer para evitar perda de arrecadação, a exemplo do que foi feito no caso da redução de ICMS sobre o preço dos combustíveis no governo de Jair Bolsonaro.

Procurador do munícipio de Juiz de Fora (MG), André Maluf afirma que todos perdem com a guerra fiscal: governo, contribuintes e empresas. “Por meio de incentivos fiscais sem o devido estudo de impacto e consequências setoriais em contrariedade à legislação, há risco à competitividade empresarial em um ambiente de livre concorrência”, completa. Maluf falou com exclusividade sobre o tema nesta coluna.

O sr. fala em “retorno da guerra fiscal no Brasil”. Por que acha isso? Ela acabou em algum momento?

Estados e municípios oferecem incentivos fiscais para atrair empresas e investimentos fomentando sua economia. O objetivo da Lei Complementar n.º 160/2017 e do Convênio Confaz n.º 190/2017 era o de minimizar a guerra fiscal no País, já que harmonizam regras de cobrança de ICMS entre os Estados no Brasil, o que também repercute na arrecadação dos municípios por transferência de receitas oriundas dos Estados. Apesar disso, não é possível falar que houve um encerramento da guerra fiscal, e não creio que haverá, pois trata-se de uma constante na prática da economia brasileira. Estamos falando de um fenômeno complexo que exige medidas amplas de reforma tributária e política fiscal em nível nacional conforme as peculiaridades regionais do País. Ocorre que a Lei Estadual 8.960/20 do Rio de Janeiro, por via transversa, na contramão do exposto, acaba por criar benefício fiscal em contrariedade à legislação de referência e à Constituição, que exige aprovação do Confaz em convênio interestadual, em prejuízo a outros Estados da Federação. Parece que o diploma fomentará não apenas uma guerra fiscal interestadual, mas, também, intermunicipal, dentro do território fluminense, pois amplia o espectro de incidência para além do interior do Estado, tal como previsto na Lei 6.979/15.

Quem ganha e quem perde com a guerra fiscal?

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Todos perdem com a guerra fiscal: governo, contribuintes e empresas. Por meio de incentivos fiscais sem o devido estudo de impacto e consequências setoriais em contrariedade à legislação referida, há risco à competitividade empresarial em um ambiente de livre concorrência que, diga-se, é preconizado pela Constituição como princípio da Ordem Econômica e Financeira (art. 170, IV). Cria-se uma falsa ideia de benefícios, entretanto, os ônus são naturalmente deslocados para um setor ou grupo que, ao fim e ao cabo, irá arcar com o prejuízo. O governo arrecada menos, o que se reflete em menos políticas públicas, empresas entram em litígios com entes da Federação no Judiciário, cujos processos geram insegurança jurídica e desestímulo a investimentos, criando, portanto, uma tempestade perfeita em um ambiente de interferências e incertezas sem previsibilidade e segurança para empresários e investidores. É preciso diálogo e inteligência fiscal e tributária para solucionar esse problema de forma técnica.

Feita para tentar angariar apoio em ano eleitoral, a mudança do ICMS nos combustíveis feita pelo governo Bolsonaro, que padronizou a incidência do imposto, seria ainda assim uma forma de acabar com a guerra fiscal? Por quê? Senão, qual seria?

As Leis Complementares 192 e 194/2022 foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo governo Bolsonaro com o objetivo de reduzir o preço dos combustíveis beneficiando o consumidor final. O problema é que os Estados naturalmente perderam uma arrecadação importante esperada para seus cofres, sem a contraprestação da União para compensar a diferença. Isso fará com que os entes busquem recursos de outra forma e repassem para o contribuinte esse déficit de receita, além de prejudicar o fechamento de suas contas. A atuação da União repercute não apenas nos Estados, mas também nos municípios que recebem parte desses recursos por transferência. É preciso que o pacto federativo seja de fato implementado no Brasil, sem que Estados e municípios dependam financeiramente da União para se manterem, tampouco é coerente que a União possa afetar a política fiscal de Estados de tal modo. A autonomia fiscal e financeira desses entes é essencial para um federalismo para valer. Recentemente, foi aprovada a Emenda Constitucional 128 que proíbe a imposição e a transferência, por lei, de qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesa de pessoal, para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mas a emenda não trata da situação referente à guerra fiscal, que envolve exatamente isenções e benefícios fiscais. É preciso evoluir nesse sentido também no aspecto tributário. O governo atual se comprometeu com a reforma tributária ainda para este ano.

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Há no Congresso algumas propostas amadurecidas. O sr. destaca alguma de forma a acabar com a guerra fiscal entre os Estados? Qual e por quê?

A forma para acabar com a Guerra Fiscal é o estrito cumprimento da Lei Complementar n. 160/2017, a fim de que os Estados não voltem a criar os incentivos fiscais unilaterais, tendo em vista que a inobservância da referida legislação criará novamente um cenário de instabilidade. Qualquer reforma para minimizar a chamada guerra fiscal deve ter por norte três pilares estruturais: simplificação arrecadatória, gerando, assim, mais segurança jurídica e previsibilidade para o contribuinte e investidores; criação de regras de uniformidade que evitem disputas entre Estados por empresas; e modernização da administração fiscal que possibilite que bons pagadores sejam beneficiados, e maus pagadores sejam eficazmente sancionados a fim de efetivar o princípio da justiça fiscal. Com a elevada carga tributária cobrada no Brasil, é preciso que o contribuinte tenha facilidade no pagamento de suas obrigações, que não se sinta injustiçado em relação ao inadimplente e reconheça a reversão de seus tributos para serviços públicos, gerando, ademais, renda, emprego e desenvolvimento econômico e social.

Há a possibilidade de se estender a guerra de “inconstitucionalidade” entre outros Estados, além de São Paulo e Minas? Quem ganha e quem perde com essa nova etapa de guerra jurídica?

O acesso à Justiça é amplo, e o Judiciário pode apreciar quaisquer atos que sejam levados ao seu conhecimento. Portanto, qualquer Estado, por meio de seu governador, que se sentir prejudicado pelo advento da Lei Estadual 8.960/20 do Rio de Janeiro, tem a possibilidade de judicializar a questão perante o Supremo Tribunal Federal mediante a comprovação da pertinência temática. A judicialização tributária e federativa não contribui para o desenvolvimento do País, pois demonstra que as tentativas de solução consensual não funcionaram. A inseguranças jurídica e econômica afasta investimentos e impede o crescimento de forma geral. Contribuintes colocam em dúvida o pagamento de seus tributos, o que aumenta seu custo direto e indireto, diminuindo sua capacidade de investimento, entes federativos sofrem processos judiciais e questionamentos políticos e o Judiciário é inundado de ações, o que exige atuação qualificada de advogados, procuradores, auditores, juízes e servidores da Justiça com demandas que perduram, não raramente, até que a questão se resolva definitivamente pelo Supremo, muitas vezes com desfecho no qual o contribuinte ganha, mas não leva.  Como exposto anteriormente, todos perdem com a guerra fiscal, sobre tudo após a judicialização,  gerando muita incerteza para os envolvidos. É preciso racionalizar o sistema judicial, estimular a transação tributária e a simplificação dos pagamentos e de obrigações acessórias, bem como mecanismos de cobrança extrajudicial como protesto e inscrição em cadastros de devedores, de modo que a judicialização passe a ser a última opção.

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