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Luiz Carlos Trabuco: É hora pensar em uma Lei de Responsabilidade Social

Em entrevista à coluna, o presidente do conselho de administração do Bradesco fala também sobre o futuro das agências físicas dos bancos e de criptoativos

Por Neuza Sanches Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 jul 2022, 10h00

Presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco vê com preocupação a escalada dos preços e o seu “remédio amargo”, representado pela alta das taxas de juros – cujo efeito imediato é a postergação de novos investimentos e a maior concentração de renda. “O que dá o teto dos juros é a política fiscal: quanto mais expansiva for, mais alto terá de ser o juro”, afirma ele, quando pergunto se existe um teto para o aperto monetário em curso.

Mas seu foco vai além da macroeconomia. O executivo diz que é hora de o País pensar em uma Lei de Responsabilidade Social, que faça do combate à fome e pobreza um programa permanente de Estado, e não de governos. “A iniciativa privada também tem sua parcela de contribuição a prestar, especialmente por sua capacidade de investir, gerar riquezas, empregos e renda.” Ainda nesta entrevista, ele falou sobre o futuro das agencias físicas dos bancos, criptoativos e como é estar à frente de uma instituição como o Bradesco. Acompanhe:

O que preocupa mais inflação alta ou recessão? Por quê?

Os dois fenômenos preocupam porque fazem estragos na sociedade. A inflação, além de grave, é uma das causas das crises econômicas. A recessão preocupa também, porque suas consequências sociais, desemprego e pobreza são enormes. São dois elementos tóxicos, punem a população em geral e os mais vulneráveis em especial, que não têm meios para se defender. A inflação desorganiza toda a economia e a recessão deixa um rastro de desesperança.

Juros altos: acredita que deveria ir até onde? Teria de ter um teto?

O juro é um remédio amargo que concentra a renda, posterga investimentos e encarece o crédito. Quanto mais altos estiverem, piores são suas consequências. O juro é sancionado pelo Banco Central. É preciso tomar atenção para não deixar a política monetária atrás da chamada curva futura de juros do mercado, o que impactaria em novos aumentos no futuro. O que dá o teto dos juros é a política fiscal: quanto mais expansiva for, mais alto terá de ser o juro.

Há uma tendência de se reduzir as agências físicas no País. Quanto tempo mais de vida as agências têm com a força do digital e o uso do celular pelos brasileiros?

As agências físicas estão se transformando, mas vão continuar a existir por muito tempo. As agências foram uma referência na paisagem urbana e hoje estão, gradativamente, perdendo espaço. São menores e mais discretas, já que uma parte considerável do trabalho que faziam antes é feito a distância. Todavia, o relacionamento pessoal vai continuar. A migração dos clientes para o atendimento virtual é inevitável. Isso é positivo para a eficiência geral da economia e também para a conveniência do cliente, que ganha tempo para fazer outras coisas.

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Hoje as fintechs estão reduzindo seus quadros. O boom de digitais está passando? Acredita que a era de grandes bancos poderá voltar?

Desde sua origem, os bancos foram uma combinação de finanças e tecnologia, ou seja, fintechs. Os equipamentos de autoatendimento, o Banco 24 horas, existem há mais de 50 anos. O internet banking tem 30 anos. Sempre houve a complementação entre o relacionamento pessoal e o componente tecnológico nos bancos. Os grandes bancos têm uma escala enorme, um patrimônio conquistado em décadas de bons serviços prestados. Preservam um sólido capital financeiro e mantém uma forte credibilidade junto ao público. Como prestadores de serviço ou de geração de riqueza para os clientes, seja na gestão dos investimentos ou na oferta de crédito, os bancos grandes vão continuar sendo um dos ativos fundamentais para o bom funcionamento da economia. No caso das fintechs, elas trazem uma contribuição importante para a competição do setor. Nesse processo, estamos ampliando nossa capacidade tecnológica e aumentando os indicadores de eficiência. No final, todo o sistema financeiro se fortalece.

Ser grande como o Bradesco, um transatlântico em mar revolto, ajuda ou atrapalha?

Ajuda, com certeza. Uma capacidade importante nas crises para bancos, outras empresas, pessoas e governos é a resiliência, que é a capacidade de absorver choques e recuperar-se rapidamente. Desde sua fundação, o Bradesco enfrentou vários desafios, e foi a sua resiliência um dos fatores importantes de seu sucesso. O Bradesco, hoje, é um banco com muitas dimensões de negócios, a partir de um conceito estratégico básico de ser uma moeda de duas faces, finanças e seguros, tendo como base a aplicação intensiva de tecnologia. Esse conjunto do modelo de negócios nos trouxe capacidade de inovação, agilidade e processos criativos.

Depois dos celulares, qual a próxima fronteira do atendimento bancário?

Será a biotecnologia, o logo é “Smile to pay”, quer dizer “Sorria para pagar”. Através da “bio-identificação” será possível ter mais segurança, eficiência e velocidade nas transações bancárias. Algo embrionário já existe na identificação, mas deve avançar mais. Os celulares devem continuar e a entrada da tecnologia 5G irá abrir novas possibilidades.

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Há uma tendência no mercado de entrar em criptoativos ou “tokenização”, mesmo em “tempos de inverno” nesse setor. Como o sr. vê esse mercado virtual no Brasil?

É uma tendência que deve continuar. Os criptoativos estão ocupando um espaço crescente enquanto ativos financeiros e apresentam algumas características que os tornam convenientes. Todavia, apesar de ter passado mais de uma década desde o início do bitcoin, outubro de 2008, é ainda um mercado em consolidação. A crise global atual atingiu bastante as criptomoedas e revelou os riscos envolvidos. Os preços dos ativos serão sempre orientados pelo custo do dinheiro e a liquidez do mercado.

Em artigo recente em um grande jornal, o sr. alertou para o aumento da desigualdade social. Num momento em que o País vê o aumento da fome, como vê a atuação dos governos em todas as esferas para enfrentar essa questão? Eles falharam na definição de políticas públicas eficientes? O setor privado também deveria ser cobrado por isso?

A atuação dos governos é importante e colaborou para amenizar o problema. O fato é que a dívida social está crescendo. Há uma ideia interessante sobre pensarmos em uma Lei de Responsabilidade Social. Seria uma forma de definirmos políticas de Estado para a questão da pobreza e da fome, e não de governos. A iniciativa privada também tem sua parcela de contribuição a prestar, especialmente por sua capacidade de investir, gerar riquezas, empregos e renda. Há também um papel a desempenhar na filantropia, no trabalho voluntário e projetos educacionais a comunidades carentes para equalizar oportunidades. O Brasil é de todos, e todos nós temos de combater a desigualdade social.

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