Com a proximidade das eleições, os grupos profissionais de mensagens no celular têm sido inundados por um mar de gráficos, planilhas e textos que, a depender do remetente, contam histórias diferentes sobre as perspectivas da economia no Brasil e os resultados do governo de Jair Bolsonaro. Tão diferentes que a gente chega a duvidar se se referem, efetivamente, ao mesmo país.
Do lado direito do ringue, mensagens destacam a participação crescente da agricultura no PIB – e como o setor avançou no atual governo – ou falam sobre o crescimento dos empregos formais. Gráficos indicam ainda tendência de queda da inflação e da dívida pública. Do lado esquerdo, em menor volume de envio, a conversa é bem outra: aumento da pobreza e de empregos que pagam salários cada vez menores, piora na qualidade dos gastos do governo e risco de recessão à frente.
O resultado disso é que a narrativa política embaralhou, de vez, os dados econômicos. Especialistas falam em mais de 2 bilhões de mensagens terão sido enviadas até as eleições de outubro, numa batalha silenciosa e incontrolável pela atenção e voto de quem está na ponta da mensagem. Só o WhatsApp é usado diariamente por 99% dos brasileiros, segundo dados de pesquisa recente da Mobile Time em parceria com a Opinion Box. Em número de aparelhos, isso corresponde a mais de 207 milhões.
Há alguns dias, a Procuradoria da República em São Paulo enviou ofício ao WhatsApp instando a empresa a não aumentar o número máximo de integrantes em seus grupos, de 256 para 512 – como já está ocorrendo em vários países. A empresa adiou então para o ano que vem. Também pediu para adiar o lançamento das chamadas comunidades, nova funcionalidade do aplicativo que permite a formação de megagrupos. Segundo a Procuradoria, se realizadas agora as mudanças representariam um “retrocesso” no combate à desinformação “em um período de excepcionais riscos à integridade cívica e à segurança da população do País”. Caso o WhatsApp não acate, poderá ser ajuizada uma ação civil pública. A empresa, em nota, disse que avalia o melhor momento para o lançamento.
Divulgar somente o que interessa não é novidade. Em 1994, o diplomata Rubens Ricupero, então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, teve de renunciar ao cargo depois do vazamento de uma conversa informal com o jornalista Carlos Monforte em que ele dava detalhes sobre o Plano Real. O sinal do link via satélite que transmitia a entrevista já estava aberto, e os brasileiros que estavam sintonizados no canal privativo da Embratel puderem captar o diálogo: “Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, disparou Ricupero.
Foi um forte golpe para a campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso, mas não o bastante para tirá-lo das primeiras colocações nas pesquisas. FHC acabou vencendo as eleições daquele ano ainda no primeiro turno, batendo o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Naquela época, a tecnologia do celular ainda engatinhava no País. Aplicativos de mensagem em tempo real? Nada, disponíveis só os velhos “torpedos” por SMS. Bem diferente de hoje. Tentar frear essa massa de informação parece ser tarefa ingrata, como enfrentar a força de um tsunami com barricadas de areia.