O botequim é um espaço democrático. Todos são iguais perante a primeira dose e desiguais a partir da segunda. É, também, um espaço mágico. O mais intricado problema tem solução. A pauta é variada, mas predomina futebol e política. A Copa se foi com o pesado fardo de decepção e tristeza. Desta vez, não faltou brio; sobrou organização e efetividade na seleção Belga. É do jogo. Agora, chegou a hora da política.
No último sábado, servida a buchada, uma das especialidades da casa, Neco, um robusto e sanguíneo, setentão, rompeu a cumplicidade do silêncio gastronômico e disse entredentes – “Nesta eleição vou anular o voto” ao que se seguiu uma verdadeira catarse acusatória. Um discurso indignado, virulento que identifica na classe política todos os males do país. Verdadeiros parasitas, pendurados em tetas e privilégios mantidos pelo dinheiro do povo. E mais: tagarelas que falam abobrinhas, fazem promessas demagógicas e fraudam a vontade do eleitor. Concluiu dizendo, com certa superioridade crítica, que se definia como um antipolítico.
Calado estava, calado fiquei. Não era uma fuga covarde do debate. Não havia debate, havia um autêntico desabafo. Apenas respeitei a justificada indignação do meu amigo com o momento histórico brasileiro, marcado por antagonismo e intolerância que têm gerado conflitos pessoais e rupturas de velhas amizades.
Qual não foi minha surpresa quando João Batista, o mais jovem da turma, professor de história, pessoa extremamente leve e educada, pediu permissão para fazer algumas ponderações sobre o que acabara ouvir. Em tom suave, começou dizendo que não conseguia enxergar uma sociedade sem política; que a política é o único poder ao alcance dos que não têm poder; que a política é a única atividade humana que está permanentemente exposta e que esta debilidade é sua própria força; que a questão não é a boa ou a má política, mas a política e a não-política que se manifesta na patrimonialização do bem público, submetendo o interesse público ao interesse privado.
Neste ponto, o jovem professor conquistou a atenção de todos e enfatizou o seu maior temor da cultura antipolítica: o de abrir caminho para pessoas que ambicionam loucamente e chegam ao poder, alimentando sua força política com a recusa à política. Neste filme, os mocinhos terminam como chefes das mais cruéis tiranias.
No botequim, ao final, a paz reinava entre amigos de “copo e de cruz”, Prudentemente, ninguém disse em quem ia votar. Mas a hora é da política e, diante da urna, vale a lição de Isaiah Berlin: “A inteligência política consiste mais em compreender do que saber”.
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco