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O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Os dândis do futebol

A atração dos políticos por holofotes comanda atos canhestros.

Por Gaudêncio Torquato
Atualizado em 1 jul 2018, 16h00 - Publicado em 1 jul 2018, 16h00

O futebol está se transformando em gigantesca passarela para exibição de tatuagens, cortes de cabelo, piercings em orelhas e pescoços, na esteira de uma estética esportiva que embala os competidores, motivando torcedores a endeusar seus ídolos também pela maneira como se apresentam.

O dandismo, maneira afetada de se comportar, tradicionalmente restrito ao campo político, se estende ao futebol. O poeta Baudelaire dizia que o dândi provoca “o prazer de espantar”. Acrescente-se o “prazer de encantar”.

Na política, o dandismo teve grandes cultores, como Luis XIV, que passeava nos jardins de Versailles em um cavalo branco coberto de diamantes e ele de púrpura. Napoleão parecia um pavão quando se coroou para receber a benção do papa. Hitler, treinado em declamação, usando a cruz gamada do nazismo, aparecia nos comícios depois de fazer a massa esperar horas a fio. De repente, aviões desciam em rasantes, criando o clima para receber o personagem.

Entre nós, a arte da represen­tação é bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica usando como bengala a estética dos olhos esbugalhados, cabelos despenteados, barba por fazer, a imagem do desleixo com a caspa caindo sobre um paletó roto. Tirava sanduíches de mortadela e bananas dos bolsos e pontificava entre próclises e mesóclises: “Po­lítico brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” E os devorava sob aplausos.

A atração dos políticos por holofotes comanda atos canhestros. O Estado-Espetáculo emerge exibindo heróis, salvadores da Pátria, pais dos pobres e até seres que se postam ao lado direito do Senhor. O ditador Idi Amin, de Uganda, dizia conversar com Deus em sonhos. Quiseram saber a frequência do papo. Respondeu, sem titubear: “sempre que necessário”. Nicolas Maduro não disse que foi abençoado pelo falecido Hugo Chavez, encarnado em um “canarinho pequenino” que lhe apareceu?

Em muitas ocasiões os limites da liturgia são rompidos. E os atores, numa encenação que mais parece estripulia circense, inventam firulas para iludir as massas.

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Nos campos de futebol vemos a Seleção Canarinho desfilando uma coleção de signos. Fixemos em Neymar, que mais se assemelha a um caleidoscópio humano. Carrega cerca de 40 símbolos, entre tatuagens de tigre, âncora, diamante, cruz com asas, o 4 em número romano, coroas, clave de sol, enfim, uma vasta coleção que tenta expressar força, alegria, coragem, estabilidade, perfeição, independência, história de vida, relação com o divino etc. Esse aparato estético ainda se completa com esgares e espasmos de dor ao cair nas faltas cometidas por adversários (parte delas é pura representação do dândi). Neymar deve despertar curiosidade até de extra-terrestres.

Na sociedade pós-industrial o Estado-Espetáculo imprime o tom dos discursos, maltratando a identidade da política, dos esportes e da cultura.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato 

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