Entra para o calendário das tragédias brasileiras. E não é uma metáfora: são cinzas reais que restaram do lamentável episódio que vitimou o Museu Nacional e destruiu a história contada pelo valioso patrimônio cultural brasileiro e mundial.
No final da manhã daquele dia, por coincidência, desembarquei no Galeão. Ao entrar no táxi, os cumprimentos de praxe foram seguidos por um desabafo do motorista: “Um dia triste, estou de luto. Assassinaram o Museu”. Não precisou perguntar quem foi o autor. O motorista desfiou, com toda razão, um rosário de acusações às autoridades e, desolado, balançou a cabeça, “O Rio de Janeiro, não sei por quê, está passando por uma provação: enquanto o crime organizado mata o futuro, os governos coniventes destroem o passado”.
Escutei, em silêncio, solidário e condoído, um carioca da gema mencionar a beleza sinuosa, sensual da cidade e, com o orgulho, mesmo ferido, recordar o glamour daquele recanto brasileiro que atendia (e ainda atende), com justiça, pelo nome de “Cidade Maravilhosa”.
No destino, me despedi e, sob o impulso da indignação, mirei o responsável pela despudorada negligência com a oferta de serviços básicos à população, que dirá com a memória do país: o Estado e o seu braço político, o governo.
Em tese, nós, sociedade, somos o sopro criador dessa criatura para nos proteger, para nos servir, enfim, para tornar viável a vida em sociedade. Para isto, pagamos, cada vez mais caro, em troca de ineficiência e insuficiência.
Os Estados tendem a se tornarem seres teratológicos. Monstros. E como dizia Nietzsche: “O estado é o mais frio dos ‘monstros’ de todos os vastos aparelhos sociais montados pela civilização contra os impulsos vitais do homem”.
Onipresente, onisciente, tentacular, o estado brasileiro ocupa a minha imaginação como produto do cruzamento da hidra de lerna com a centopeia, de braços e mãos longas que furta com unhas políticas.
Opera por meio de um robô: o burocrata que não pensa, repete; não cria, copia; não discute, obedece; não reflete, aquiesce.
Com efeito, a engrenagem que associa o poder corrompido a uma burocracia sádica banaliza o mal. Rudolf Hoess e seus cúmplices no Holocausto consideravam-se funcionários exemplares. Para eles, não há diferença entre o incêndio de um museu e um forno crematório.
E como não têm rosto e estão em todo lugar, eram definidos por Otávio Paz como “O Desencarnado: não uma presença, mas uma dominação. É a impessoa”.
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda