A vida política é um universo de representações. Nos palcos, atores e atrizes, comediantes com caras de horror ou jogo de palavras e perfis que jorram ataques e destilam ódios. Mas há uma diferença entre o passado e o presente. Antes havia audiência para ouvir os impropérios e encenações mirabolantes. Hoje, é difícil reunir 30 ou 50 pessoas para aplaudir diatribes.
Esse teatro está à beira da falência, são raros os compradores de espetáculos canhestros, como nesse início de campanha municipal. Candidatos rodam os bairros acenando e mandando beijos. Sob o olhar matreiro do Covid-19. Campanha despojada em matéria de povo, vivas ou festa. E vestimenta estrambótica para chamar a atenção.
A procura de um eixo deixa confusos candidatos e assessores. “Rouba, mas faz” de Adhemar de Barros é slogan abominado. “Fulano fez, fulano faz” de Paulo Maluf ainda é imitado pela velha assessoria política. O que funciona mais é o pragmatismo das margens carentes. Mais de 65 milhões de brasileiros vivendo com adjutório chamado auxílio emergencial.
Esse dinheiro tem sido importante para o prestígio de Bolsonaro. A depender do valor, pode aumentar ou diminuir seu cacife nas campanhas municipais. Seu dilema: como abastecer o Renda Cidadã? Se sair dos precatórios, seria cobrir um santo para descobrir outro. Uma pedalada fiscal? Surrupiar recursos do Fundeb, o fundo para a educação?
Costura complicada. Além disso, o ex todo poderoso ministro Paulo Guedes parece tonto após intenso debate sobre a fórmula milagreira. A tal da nova CPMF desperta indignação.
Sem fonte de recursos num governo que brandiu tanto o liberalismo – diretriz que não tem dado certo – os horizontes não são promissores para Bolsonaro. Hoje, é fato que toma o lugar do Lula em muitos recantos do país, a partir do Nordeste. Entra nas classes médias que rejeitam o petismo e melhora suas relações com o Congresso, com uma linguagem menos ácida. Mas a economia é incerta. Além de nosso pleito de novembro, temos também a eleição norte-americana e dela dependerá o futuro das relações com os EUA. Podemos ficar mal na fita.
O que se mostra inexequível é um nacionalismo populista sob a égide de uma economia doente. Bolsonaro será aplaudido até o momento em que as massas não sentirem fome. O neo-populismo nacionalista é sonho de verão. Lembre-se que a cidadania se expande e traz uma carga de conscientização política. As pessoas distinguem a verdade de versões, a falácia de fatos.
O populismo do passado se agarrava às emoções das massas e grandes mobilizações. Nossa sociedade se transforma. Multiplicam-se os grupamentos organizados, com novos polos de poder fazendo pressão.
E faltam lideranças. Quem poderia hoje convocar as massas? Luiz Inácio perdeu o verbo acusatório ao se tornar coadjuvante na Lava-Jato. Haddad não empolga. Tatto, candidato a prefeito de SP, é limitado. O ciclo petista desce o despenhadeiro. Boulos dá medo. Doria vai depender da organização do centro. O panorama é nebuloso.
O desencanto geral com a política e com os políticos dará um gás extra ao presidente. Mas uma certeza pontifica: o novo coronavírus irá às urnas em novembro próximo.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político