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Bolsonaro é inocente no caso da apologia ao estupro

Se os nossos deputados possuíssem um mínimo de astúcia intelectual, teríamos mais humor e menos chorumela

Por Maicon Tenfen Atualizado em 1 mar 2018, 03h47 - Publicado em 1 mar 2018, 03h22

De acordo com o folclore do parlamento inglês, o futuro primeiro-ministro Winston Churchill vivia de implicâncias mútuas com a ferina Nancy Astor, primeira mulher a ser eleita para a Câmara dos Comuns. Em certa ocasião, quando Churchill perguntou de brincadeira quantos dedos teria o pé de um porco, ela rapidamente sugeriu que o colega tirasse o sapato para conferir.

Aqui está a astúcia do humor britânico. Eles nunca perdem tempo explicando uma piada e — mais importante — não saem se fazendo de vítimas por aí. Alguém é capaz de imaginar o grande Churchill procurando alguma comissão de ética para se declarar ofendidinho com a resposta da adversária? Limitou-se a acender o charuto e aguardar a oportunidade do revide, que não tardaria.

Numa nova discussão na câmara, depois que Churchill destruiu os argumentos de Lady Astor, ela desceu das tamancas e rugiu:

— Se eu fosse a sua esposa, colocaria veneno no seu chá.

Ao que ele rebateu:

— Se eu fosse o seu marido, bebia tudo de um gole só.

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Ela também sabia perder. Não se fez de coitada nem saiu implorando que lhe passassem a mão na cabecinha. Odiava Churchill com sinceridade, no que era sinceramente correspondida, mas sempre com elegância e altivez, posturas difíceis de compreender para quem acompanha os seus deputados no noticiário policial.

*****

Nem em sonhos comparo Bolsonaro a Winston Churchill e muito menos Maria do Rosário a Lady Astor.

Digo apenas que o arranca-rabo dos nossos barraqueiros deveria terminar como a piada que sempre foi, não com denúncias, processos, interrogatórios e quiçá condenações. Se possuíssemos representantes legislativos ao menos alfabetizados, teríamos mais humor e menos agressão, mais astúcia e menos chorumela.

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Em vez de uma provocação sagaz e uma réplica certeira, assistimos a uma hipócrita se aproximando de um grosseirão para chamá-lo de estuprador.

— Não te estupro porque você não merece!

A resposta está a anos-luz do que diria um Churchill ou uma Lady Astor, mas foi o único instante da cena que contou com alguma espirituosidade. Dali em diante, que pena, ambos cederam à mais vulgar das baixarias.

— É bom mesmo — disse ela —, se não eu te daria uma bofetada.

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— Dá que te dou outra — disse ele. — Dá que te dou outra!

Para completar o quadro do desastre, Maria do Rosário saiu choramingando para um lado e Bolsonaro saiu explicando a piada para o outro: “ela é feia, é muito feia, é tão feia que chega a doer!”

É duro dizer isso, mas cada povo tem o parlamento que merece.

Já expliquei aqui e aqui por que acho que Bolsonaro não serve para ser presidente, mas isso não significa que ele deva ser condenado por um crime que não cometeu, a menos que esse crime seja proclamar uma verdade estética. Segundo a sintaxe canhestra da ex-vice-procuradora Ela Wiecko, que fez a denúncia, Bolsonaro “instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro”.

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Quanta bobagem.

À sua maneira, ele só estava dizendo que beberia o chá de um gole só.

 

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