Quando o nome de Jair Bolsonaro surgiu no cenário nacional, o domínio da esquerda e a cantilena politicamente correta haviam chegado a um auge de arrogância e moralismo sem comparação na história recente do país. Ao mesmo tempo, os discursos relacionados aos direitos humanos estavam cada vez mais delirantes na proposição de “projetos para um mundo melhor” que não encontravam correspondência na realidade violenta enfrentada pelo cidadão comum. “Bolsa-bandido”, “kit-gay” e “ideologia de gênero” são apenas algumas das expressões que entraram no vocabulário cotidiano para provar a muitos que, afinal de contas, os cavaleiros do apocalipse já estavam pulando para dentro do quintal.
A impressão geral da situação é que todo mundo tinha direito a tudo, menos quem trabalhava para pagar a conta no final. Havia uma vontade enorme de abrir a boca para reclamar, criticar, xingar, e não apenas em casa ou no anonimato das redes sociais, mas também na rua, no espaço público, na esfera política. O problema é que ao mesmo tempo havia uma espécie de freio psicológico que controlava esses grandes arroubos de insatisfação. Ninguém queria ser chamado de nazista ou coisa que o valha. Faltava uma figura pública corajosa ou imprudente o bastante para se expor com ideias consideradas velhas, retrógradas, conservadoras e preconceituosas.
Ninguém apareceu.
E quem tentou tinha dedos demais, adversativas demais, ponderações demais para se fazer ouvir. Os insatisfeitos estavam cansados dessa lenga-lenga analítica que nunca levou ninguém a lugar nenhum. Era preciso uma voz mais simples, mais certeira, alguém que não complicasse e fosse direto ao ponto, que não tivesse pudores de resolver tudo com slogans e palavras de ordem que não apresentam muita necessidade de reflexão.
“Bandido bom é bandido morto”.
“O erro da ditadura foi torturar, tinha mesmo é que matar”.
“Sou preconceituoso, com muito orgulho”.
Uma avalanche de insatisfação reprimida pôde se libertar com múltiplas e sonorosas gargalhadas.
Porque é assim que funciona o humor politicamente incorreto. Você não ri porque a piada é boa, ri porque imagina a cara de espanto da sua “tia do bem” que vive discursando para salvar os pobres e oprimidos da África.
O esquete que Bolsonaro protagonizou com Maria do Rosário é digno dos bons e velhos tempos d’Os Trapalhões. “O que é isso aqui? O que é isso aqui? O que é isso aqui?” A Maria do Rosário é a encarnação caricatural da “tia do bem”. Ninguém precisou imaginar a cara que ela faria. Estava ali, nítida, na TV, pra todo mundo ver e se divertir. (Sem nhenhenhé, combinado? Você se divertiu, sim!).
Antigamente, na era de ouro dos jornais impressos, não era um artigo político que derrubava um ministro ou destruía um plano de governo. Era uma charge. Uma piadinha visual. A grande vantagem de Bolsonaro é que ninguém precisa fazer charges com os seus atos falhos. Ele mesmo providencia o espetáculo. É um humorista nato, espontâneo, um stand-up comedy man. Não é à-toa que admira o falecido Enéas Carneiro, outro que também entendia de humor. E o cenário atual é perfeito para esse tipo de figura. As pessoas estão tão cansadas de lulas, dilmas, michéis, aécios, cunhas e renans, que basta a Bolsonaro apontar os indicadores para frente e fingir que dá um tiro para fazer a galera delirar. Parabéns ao mito e aos seus fãs.
Mas é aí que termina a brincadeira.
Como político, Bolsonaro é um excelente comediante. Não é um realizador, como comprovam os pouquíssimos projetos que aprovou na câmara; não é um articulador, como mostra o isolamento político em que vive; e não é um estrategista, como provam as suas atitudes impensadas. Alguém pode governar com slogans? É viável botar uma arma na mão de cada brasileiro quando a maioria não sabe o que fazer com uma escova de dentes? É possível salvar a economia com a exploração de nióbio em reservas indígenas? Não haverá kit-gay nas escolas, mas isso basta para tirar a educação do atraso em que se encontra? Algum plano para a saúde? Impedir que os cubanos venham, talvez? Ah, sim: figuras folclóricas funcionam no poder? Lula já provou que não.
Os políticos avacalharam tanto com os eleitores que é possível que muita gente esteja pensando em devolver a avacalhação com humor vingativo. Um comediante na presidência! Seria divertido nos primeiros 30 dias, mas e depois? Usar os indicadores para simular um tiro ainda levaria a galera ao delírio?