Esse cantorzinho aí do Recife que andou dizendo que “Jesus é bicha” está apenas chovendo no molhado.
Entre a virada de ano e as vésperas da Páscoa, as bancas de jornais, quando existiam, costumavam ser invadidas por publicações que traziam o rosto de Jesus estampado nas capas. Prometiam formas originais de interpretar passagens bíblicas polêmicas e com isso oferecer novos significados sobre quem teria sido o “filho de Deus”. Usadas à exaustão, a fórmula perdeu o impacto e se tornou banal.
Entender Jesus como uma espécie de Che Guevara palestino é um lugar-comum batidíssimo, até porque movimentos nascidos dentro da própria Igreja Católica — a Teologia da Libertação é um deles — contribuíram para que essa visão se espalhasse. Outros preferem enxergar o filho do carpinteiro como uma espécie de maconheiro “mutcho doidio”que vivia zanzando pelo deserto e bebendo vinho com a ralé.
Com a proliferação dos movimentos sociais, criou-se margem para a afirmação de que Cristo era negro, já que a Bíblia fala nos seus “pés cor-de-cobre”, e até mesmo de que era gay, pois beijava seus discípulos e os recebia em particular. Na época d’O Código Da Vinci, pouco faltou para dizerem que Jesus era mulher. Segundo essa versão, de qualquer forma, Cristo viveu com uma, Maria de Magdala, a quem teria confiado os segredos mais profundos de sua doutrina.
Falando em doutrina, há quem renegue o milagreiro para preservar o filósofo, sem dúvida um divisor de águas do pensamento ocidental, e há também quem pregue que Jesus nunca existiu fisicamente. Para esses, os fragmentos em que o historiador judeu Flávio Josefo cita o Messias não passam de uma fraude engendrada durante a Idade Média.
Se alguém se ofendeu com a conversa do Cristo gay, prepare-se para o que vem agora: existem correntes para as quais Jesus era um marciano dotado de poderes cósmicos, daí a “explicação científica” dos milagres e da sua própria ressurreição!
Essa multiplicidade de interpretações é condizente com nossa época, um período plural em que tudo é transformado em mercadoria de consumo subjetivo. Até há pouco monopolizada pela Igreja Católica, hoje a marca “Jesus” atende os mais diversos segmentos do mercado de bens simbólicos. Qual deles é o verdadeiro? Todos e nenhum, dependendo o veredito apenas das nossas necessidades políticas e espirituais.
De uma coisa, porém, podemos ter certeza. Jesus podia ser tudo, menos modesto. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, disse, ou disseram que disse, vá lá. Não é de admirar que tenham pregado o coitado numa cruz.