No princípio do século XX, quando um certo Edward Bernays inventou a profissão de relações públicas, pouca gente conhecia a teoria do Inconsciente do Dr. Freud.
Bernays, por isso, estava praticamente sozinho numa crença que se mostraria verdadeira ao longo dos anos: numa democracia de massas como a americana, as pessoas não se baseiam em informações fidedignas sobre o que escolhem fazer ou comprar, mas, ao contrário, deixam-se gerir por instintos e emoções que simplesmente não conseguem compreender.
Assim, para manter o público consumindo os produtos de valor agregado que fundamentaram o capitalismo moderno, bastava incentivá-lo, através de uma publicidade sutil, a buscar o máximo possível de prazer e satisfação individual. Contratado por fabricantes de cigarros, por exemplo, Bernays conseguiu convencer as mulheres de que fumar era um ato de liberdade.
Vieram as guerras mundiais, o crescimento do modelo industrial americano e, na aparente ingenuidade dos anos 1950, a consolidação do american way of life. Com esse ambiente de consumo estabelecido, os vendedores de ideias se viram na necessidade de buscar o público com mensagens mais diretas. As pessoas continuavam com o desejo de satisfazer os seus impulsos básicos, ainda que não tivessem consciência disso.
E Hugh Hefner estava lá, no seio do mercado editorial, trabalhando como auxiliar de escritório da Esquire, a principal revista masculina da época. Insatisfeito, pediu demissão e criou o projeto da Playboy na cozinha do seu apartamento. Na época já havia publicações que exploravam o corpo da mulher, mas nenhuma relacionava ao nu os valores que Hefner pretendia difundir.
De alguma forma ele intuiu as verdades de Edward Bernays sobre a busca da satisfação individual, algo inconfessável na época. Para Hefner, já havia um público pronto a assumir esse padrão de consumo: homens solteiros, urbanos e assalariados. Desde o princípio estava claro que o negócio da Playboy não eram peitos e bundas sem um significado maior por trás.
Hefner não queria vender apenas uma revista de mulher pelada, mas um conceito, uma filosofia, um estilo de vida que reiterava: “não há nenhum problema em gostar de sexo”. O impressionante sucesso da publicação — que das 70 mil cópias do primeiro número chegou a um pico de 7 milhões de exemplares — confirma que ele estava certo em suas convicções.
Uma nova era estava nascendo. Dali em diante, o sentido de coletividade cederia espaço aos temperamentos individuais e as pessoas gastariam cada vez mais dinheiro na busca do prazer. É importante lembrar que a Playboy surgiu em 1953, antes das primaveras hippies, do sucesso de Herbert Marcuse e dos protestos contra a guerra do Vietnã. Sexo era um assunto proibido.
Mas um mundo de sexualidade corriqueira não podia ser só para os homens. Com o passar dos anos, o Império Playboy acabou se engajando em outras lutas comportamentais. Para o modelo criado por Hefner, não era legal ser racista ou homofóbico, muito menos sexista, já que o verdadeiro bon vivant não deveria sentir ciúmes ou passar pelo vexame de tentar controlar as mulheres.
Deve ser por isso que ele se surpreendeu ao ser atacado pelas feministas no princípio dos anos 1970. Se estava vendendo liberdade, não conseguia entender por que o acusavam de “gostosificar” o corpo da mulher. Deu várias entrevistas sobre o assunto e participou de debates na televisão, aceitou discutir com militantes e foi praticamente massacrado.
No fim das contas, porém, as feministas foram o menor dos seus problemas. Perseguido por associações puritanas e pela justiça, viciou-se em pílulas para suportar o ritmo alucinado de trabalho. Perdeu pessoas próximas (uma assistente se suicidou e uma das coelhinhas foi assassinada pelo ex-marido psicótico) e se viu envolvido em escândalos que custaram as licenças dos cassinos da Playboy no Reino Unido.
Nas últimas décadas, enquanto a filha mais velha assumia os negócios, Hefner se tornou uma caricatura do estilo de vida difundido por sua revista. Isso fez com que o seu legado fosse varrido para debaixo do tapete. Muitos dizem que a Playboy é que inventou a revolução sexual. A afirmação é exagerada, mas possui o seu quê de verdade.
Como brincava um amigo, Hefner era o Walt Disney dos adultos. O Mickey Mouse era o coelho. Quanto à Disney World, bastava olhar para a sua piscina cheia de mulheres.