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O Som e a Fúria

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A rebelião das estrelas pop contra a ditadura do TikTok

A ascensão do aplicativo fez com que as gravadoras mudassem sua tática de divulgação, obrigando a criação de canções sob medida para a rede social

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h22 - Publicado em 24 jul 2022, 08h00

A cantora americana Halsey, de 27 anos, estava ansiosa por compartilhar com os fãs sua nova música, So Good — pop fofinho cuja letra fala sobre uma decepção amorosa. Em tese, divulgá-la seria fácil, quase banal: bastaria publicá-la nos serviços de streaming, e pronto. Mas, para impulsioná-­la em meio a tantas outras músicas lançadas todos os dias, a gravadora mandou Halsey fazer seis postagens no TikTok durante um mês, com vídeos para atiçar a curiosidade dos fãs. A partir daí, lenta e organicamente, a música deveria se tornar um hit viral. Só então poderia enfim ser lançada oficialmente. A estratégia irritou Halsey — e ela se rebelou. Em um vídeo postado, ironicamente, no TikTok, é possível ouvir a nova música de fundo, enquanto a cantora reclama de supostamente ser proibida de divulgá-la. A chiadeira foi a senha para que outros artistas saíssem em defesa de Halsey, revelando sofrer a mesma pressão. Florence Welch, do Florence and the Machine, escreveu no Instagram que as gravadoras estavam implorando para ela fazer um vídeo para o TikTok. O britânico Ed Sheeran usou de sarcasmo ao postar um vídeo comendo salgadinhos na rede social. “Quando você deveria estar promovendo sua música, mas só quer comer um salgadinho e decide que comer salgadinho pode ser uma promoção para uma música”, escreveu. Já a cantora Charli XCX denunciou que sofreria pressão há mais de um ano para produzir conteúdos “virais”.

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As imposições da indústria da música sempre foram fonte de angústia para os artistas. Até poucos anos atrás, as canções tinham de ter no máximo três minutos para tocar nas rádios. Nos anos 1990, era imprescindível que os artistas produzissem videoclipes, além de ser obrigados a participar de toscos programas de auditório. Agora, sua nêmese criativa é outra: a ditadura do TikTok. Para uma música pop bombar, ela precisa se adaptar ao padrão da rede de forte influência junto aos jovens, com batidas marcantes que facilitem a elaboração de dancinhas de até quinze segundos, mudanças bruscas de ritmos que possam criar o tal “momento viral” e letras bocós facilmente cantaroláveis. “Historicamente, as estratégias das gravadoras quase sempre não estiveram em consonância com as crenças e os propósitos dos artistas. O que muda é o indexador, que hoje é o TikTok”, explica o produtor musical João Marcello Bôscoli.

Em seu desabafo, Halsey disse que a justificativa da gravadora para investir no TikTok era a de que pesquisas mostravam que 80% das novas músicas só são descobertas depois de viralizar na plataforma. Foi o que aconteceu com a brasileira Anitta. A música Envolver, lançada no ano passado, só foi explodir meses após a coreografia “El Paso de Anitta” virar febre na rede e levar a faixa ao primeiro lugar da Billboard e ao Guinness, o livro dos recordes, como primeira latino-americana a chegar ao primeiro lugar do Spotify. Mesmo ciente do poder do TikTok, Anitta saiu em defesa de Halsey: em uma live, disse que sua gravadora só lhe dava dinheiro para investir em músicas depois que elas viralizassem.

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O divertido é que a reclamação pública de Halsey viralizou, acumulando 7 milhões de visualizações e 1 milhão de curtidas em menos de 24 horas. Ela virou alvo de críticas: não sem razão, fãs disseram que tudo foi, na verdade, um golpe de marketing. O fato é que deu certo. A gravadora pediu desculpas e, em um mês, So Good chegou a 8 milhões de reproduções no YouTube.

Se a rebelião de Halsey e de outros artistas exala um odor de cinismo marqueteiro bem atual, no passado os ídolos lutavam por causas mais autênticas — até porque as gravadoras se encaixavam então em um papel de vilãs que agora já não conseguem manter, pela perda de domínio para a própria internet e para o streaming. Os roqueiros do Led Zeppelin brigaram para gravar músicas com mais de três minutos contra a ditadura radiofônica, Prince jamais deixou que as gravadoras ditassem como gravaria suas composições e George Michael lutou para se libertar da imagem de sex symbol heterossexual que o mercado lhe impunha. Mesmo recentemente, grandes estrelas fizeram valer suas vontades. Adele propulsionou as vendas do velho vinil com seu último disco — e diz nem saber a senha de suas redes sociais. Já Taylor Swift está regravando todas as suas canções só para escapar do jugo da antiga gravadora. Para um dia ser tão empoderada, Halsey ainda vai ter de fazer muita dancinha no TikTok.

Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799

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