As relações tóxicas de popstars como Chappell Roan e Billie Eilish com fãs
O incômodo de artistas com o assédio desmesurado ilumina a nova face de um velho dilema que sempre afligiu a música pop
Com apenas 26 anos, a cantora americana Chappell Roan teve ascensão galopante nas paradas musicais em 2024, emplacando várias canções em primeiro lugar no streaming. Em vez de curtir seus cinco minutos de fama, contudo, ela vem se mostrando irritada e desiludida com a carreira. O que incomoda Chappell é um velho mal da música: o assédio desmesurado dos fãs. Ela já se apavorou com o que chamou de “lado sombrio da fama”, especialmente quando uma fã a agarrou e tascou-lhe um beijo num bar. Em outra ocasião, a polícia foi acionada após um rapaz se revoltar com a negativa a um pedido de autógrafo. Para a artista, fãs assim exalam uma “energia de ex-namorado abusivo”. Em vídeo no TikTok com centenas de milhares de visualizações, ela denunciou o comportamento “assustador” e pediu que a respeitassem — ameaçando, inclusive, largar tudo caso o assédio não pare.
O perrengue de Chappell expõe a nova face de um dilema tão antigo quanto o rock ou o pop: ter uma massa de admiradores fiéis faz bem para o ego (e as finanças) de qualquer artista — mas lidar com eles nem sempre é fácil, ou até mesmo seguro. Em uma clássica cena do filme Os Reis do Ié, Ié, Ié (1964), os Beatles fogem de fãs pelas ruas até, enfim, distraírem a turba entrando numa cabine telefônica. À época, os excessos da beatlemania eram vistos como o suprassumo do sucesso. Mais tarde, porém, a idolatria mostraria um efeito sombrio: foi um fã maluco, Mark Chapman, que assassinou John Lennon em frente ao edifício Dakota, em 1980. Em um show realizado no final da década de 1970, Roger Waters, do Pink Floyd, chegou a cuspir num rapaz que invadiu o palco durante a turnê do álbum Animals.
No século XXI, a grande novidade está na postura dos ídolos atingidos por tais excessos. Reproduzindo um traço típico (e benigno) dos millennials e da geração Z, muitos artistas de hoje dizem prezar por sua saúde mental mais que tudo, até a fama — o que explica o drama de Chappell Roan. Outros famosos se juntam a seus protestos. O exemplo mais notório é o de Billie Eilish. Multipremiada no Grammy e dona de dois Oscars, a cantora expôs um problema real com fãs em The Diner, música de seu recente álbum Hit Me Hard and Soft: na letra, ela fala sobre um stalker que invadiu a casa da sua família.
O assédio dos fãs continua sendo, sobretudo, uma ameaça física: se nos anos 1960 Bob Dylan vivia às voltas com hippies doidões invadindo seu jardim, agora Justin Bieber — que há tempos trocou a conduta de garotão barulhento pela reclusão — já sofreu para expulsar uns gatos-pingados acampados na portaria de seu apartamento em Nova York. Mas agora há um fator que agrava o problema: as redes sociais. Nelas, seguidores que supostamente “amam” seus ídolos exercem, na prática, uma marcação cerrada e opressiva por meio de comentários maldosos, críticas ao que o artista faz fora do palco, reparos sobre sua imagem, peso, namoros. A coisa não está fácil para ninguém, nem no topo das paradas.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916