Há quatro anos, quando a pandemia da Covid-19 estourou, Bruce Dickinson se viu na mesma situação de tantas bandas e mortais ao redor do globo: foi forçado a desacelerar, dando uma pausa frustrante na turnê do Iron Maiden. Ídolo mais hiperativo do heavy metal, o vocalista de 65 anos também teve de deixar de lado outros dois hobbies que amava, a esgrima e a atuação como piloto de aviões. Longe de pensar em aposentadoria, Dickinson encontrou uma boa razão para não ficar parado: a criação do The Mandrake Project, história imaginada por ele dez anos antes do isolamento social chegar, mas que precisou ser engavetada após a descoberta de um câncer na garganta e na língua.
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O audacioso projeto finalizado na pandemia se desdobra em uma história em quadrinhos dividida em doze episódios e um disco solo homônimo, o primeiro do músico em quase vinte anos. A história trata de poder, abuso e luta por identidade, com pitadas de sexo, violência e ocultismo. O enredo fala sobre um certo Dr. Necropolis, suposto gênio que se envolve no projeto em questão, liderado pelo obscuro Professor Lazarus — e cujo objetivo é nada menos do que capturar a alma humana no momento da morte. “O resultado é um disco solo e uma graphic novel que podem ser consumidas separadamente, mas que contam histórias relacionadas”, diz Dickinson, que falou a VEJA durante viagem de divulgação ao Brasil (leia entrevista).
Bruce Dickinson. Uma Autobiografia
A escolha do país para o lançamento do gibi, que chega às bancas em março, não foi aleatória. O músico considera a América Latina o mercado mais fiel e rentável do Iron Maiden. Por isso, os dois primeiros shows de sua turnê solo, em abril, serão no México — e os sete seguintes no Brasil. Em dezembro, ele volta ao país, dessa vez com sua banda famosa, para dois shows em São Paulo. “O melhor público do Iron Maiden está no Brasil. Isso é fantástico”, afirma.
A aposta na graphic novel reforça a aura de polímata — pessoa que possui inúmeras habilidades — de Dickinson. Antes de se tornar cantor, ele foi esgrimista profissional e, nos anos 1980, quase chegou a compor a seleção olímpica inglesa. Até hoje ele carrega um florete na bagagem para praticar em meio às turnês. Além de emprestar sua voz demoníaco-operística a uma das maiores bandas do heavy metal, Dickinson também já teve uma segunda profissão. Apaixonado por aviação, ele aprendeu a pilotar na maturidade e por alguns anos trabalhou como piloto comercial da Astraeus Airlines. Nos anos seguintes, surpreendeu o mundo ao pilotar o próprio Boeing do Iron Maiden, o Ed Force One (que pousou, inclusive, no Brasil). Ele se embrenhou ainda na produção da cerveja Trooper, que leva o título de uma das músicas da banda e já vendeu milhões de latinhas. Entre um trabalho e outro, claro, lançou inúmeros álbuns com o Iron Maiden — e três livros. A versatilidade também se transformou numa usina de lucros. Atualmente, ele faz palestras sobre empreendedorismo e é dono de uma empresa de manutenção de aviões.
Senjutsu [Disco de Vinil Triplo]
Apesar de tantas frentes, Dickinson não descuida do essencial: zelar pelo legado do Iron Maiden. Após lançar autoelogios ruidosos como seus urros no palco, não perde a chance de cutucar outros gêneros. “Música pop é opcional. Se você nunca mais ouvir Taylor Swift, nem vai notar. É diferente do heavy metal, que é parte da vida das pessoas”, diz. O metaleiro múltiplo não brinca em serviço.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875