Como Ozzy Osbourne foi de jovem disfuncional a doidão mais célebre do rock
Uma vida de feitos e superações notáveis

Sentado num trono negro adornado com a figura de um morcego, o Príncipe das Trevas fez sua derradeira entrada em cena. Aos 76 anos, Ozzy Osbourne já não conseguia mais andar. Estava abalado pelos cinco anos de luta contra o Parkinson e por duas décadas de complicações de saúde relacionadas a tremores, acidentes e sequelas do abuso de substâncias — e, ainda assim, conseguiu cantar ao lado dos colegas de sua banda antológica, o Black Sabbath, e exibiu uma energia surpreendente no show de despedida ocorrido em 5 de julho em sua cidade de origem, a industrial Birmingham, na Inglaterra. Parecia um milagre — mais um na longa lista do pai do heavy metal, que morreu na terça-feira 22, pouco mais de duas semanas depois do show apoteótico.
Antes da despedida, Ozzy viveu uma vida movimentada e cheia de lances inacreditáveis. Nascido John, era um dos seis filhos de um casal de operários. Mal tinha espaço para viver em casa, tampouco gostava da escola por causa da dislexia não diagnosticada. Como mecanismo de defesa, ele se tornou o palhaço da turma. Aos 17, roubou uma loja e foi pego. O pai não pagou a fiança para ensinar-lhe uma lição e o deixou amargar seis semanas na cadeia. Pouco depois, como por interferência divina — e influência de seus ídolos, os Beatles —, ele conseguiu a posse de um microfone e um amplificador. Espalhou anúncios pela cidade: “Ozzy Zig precisa de um trampo”. Era 1967, o baixista Geezer Butler buscava um vocalista — e a química foi imediata. Em um ano, eles formaram o Black Sabbath com o guitarrista Tony Iommi e o baterista Bill Ward.

Inicialmente dedicada aos blues, a banda mudou quando Iommi percebeu o apelo do cinema de terror e sugeriu que criassem sons assustadores. Inspirados por um livro de magia negra, compuseram a música que dá nome ao Sabbath. Com os atmosféricos sinos de igreja, os riffs de guitarra e a voz de Osbourne, capaz de se impor sobre a barulheira, o quarteto entrou para a história como marco zero do metal. Em três anos tornaram-se um fenômeno — no qual a atuação do enfant terrible Ozzy foi essencial, mas turbulenta. O que o LSD foi para os Beatles, a cocaína foi para ele — “amor” registrado em músicas como Snowblind (1972). Após perder o pai, o abuso de substâncias piorou e ele foi demitido da banda em 1979. Novamente por milagre, não se juntou a colegas como Janis Joplin e Jimi Hendrix no clube das mortes precoces.

Na carreira solo, Ozzy aderiu a um metal mais acessível, mas não atenuou a atitude. Levou pombas como gesto de paz a uma reunião tensa com sua gravadora — mas, embriagado, abocanhou uma delas. Em turnê de 1982, jogava carne crua para a plateia, que retribuía com animais mortos. Certo dia, alguém lhe atirou um morcego. Ele mordeu a cabeça do bicho e só assim percebeu que era real. Em outro episódio bizarro, cheirou uma carreira de formigas. O personagem do maluco de plantão inflou sua fama, a ponto de quase não ser mais possível diferenciar ficção da realidade. “As pessoas elaboram. Ozzy Osbourne foi criado por elas, não por mim. Tudo que fiz foi subir lá e cometer um erro”, desabafou em entrevista.

A conduta errática só foi reavaliada por ele no fundo do poço. Em 1989, após várias brigas com a esposa e agente, Sharon, ficou bêbado e tentou matá-la. Na delegacia, já sóbrio, não lembrava de nada. Ela retirou as queixas e ele passou por seis meses de tratamento. Jamais se tornou abstêmio, mas evitou os excessos de outrora, motivado também pela criação dos filhos. Saiu menos em turnê e criou o festival Ozzfest em 1996. Então, quem diria, Ozzy virou pai de família aos olhos mundiais. O reality The Osbournes (2002-2005) retratava seu clã com mundanidade. Ao mesmo tempo, a saúde de Ozzy declinava, mas nem um acidente de quadriciclo quase fatal em 2003 o fez se aposentar. Naquele que enfim foi seu último e ruidoso show, ele cristalizou seu legado: comprometimento absoluto com a ferocidade da música ao vivo e altruísmo, ao direcionar a bilheteria de 200 milhões de dólares para hospitais infantis e pesquisa do Parkinson. Das trevas, fez-se não só a luz, mas um dos maiores milagres do rock.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954