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O Som e a Fúria

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De treta com Lobão a tragédia: as revelações do baterista do Paralamas

Em um livro afiado, João Barone revê a trajetória da banda, da ascensão ao acidente com Herbert Vianna, e expõe bastidores do rock nacional

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 ago 2024, 08h00

Titular das baquetas nos Paralamas do Sucesso, João Barone saca uma piada do anedotário do rock para explicar a “importância” de sua função em uma banda. “Sabe qual foi a última frase dita por um baterista antes de ser demitido? ‘Pessoal, fiz uma música’”, disse ele a VEJA. Apesar do rasgo de modéstia, Barone jamais teve sua competência questionada nos 43 anos de trajetória dos Paralamas. Ao contrário: sempre foi um pilar essencial no trio formado com Herbert Vianna e Bi Ribeiro. De quebra, mostrou-se um compositor capaz de criar sucessos: é de sua autoria um dos hits do grupo, Melô do Marinheiro. Agora, na recém-lançada biografia 1,2,3,4! Contando o Tempo com Os Paralamas do Sucesso, revela-se outra faceta do músico. Protagonista de um dos maiores fenômenos da música nacional, ele narra a história da banda desde sua ascensão, no começo dos anos 1980, até o trágico acidente de ultraleve que, em fevereiro de 2001, deixou o vocalista Vianna com sequelas motoras e neurológicas e vitimou sua esposa, Lucy. Observador atencioso e de verve afiada, Barone, aos 62 anos, vai além: em seu livro, resgata histórias impagáveis dos tempos heroicos (ou nem tanto, dependendo do personagem) do rock nacional.

PÓS-ACIDENTE - Herbert, Barone e Ribeiro hoje: tragédia e reinvenção
PÓS-ACIDENTE – Herbert, Barone e Ribeiro hoje: tragédia e reinvenção (Guito Moreto/Agência O Globo/.)

A entrada de Barone nos Paralamas já é, em si, uma saga hilária. No final de 1981, os amigos Ribeiro e Vianna procuravam um kit de bateria emprestado para o então percussionista Vital Dias tocar no primeiro show que o grupo faria, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica. Barone era um dos poucos estudantes que tinham o instrumento e topou cedê-lo. Na hora marcada, porém, Vital não apareceu — e Barone tocou em seu lugar. “Foi um encontro às cegas. Sem nunca terem me visto na vida, me pediram para substituí-lo, e nunca mais saí da banda”, relembra. O baterista demitido teve seu consolo: foi imortalizado em Vital e Sua Moto, primeiro hit dos Paralamas.

1,2,3,4! Contando o Tempo com Os Paralamas do Sucesso – João Barone

Embora não se considere historiador, apenas um entusiasta, Barone aproveita sua expertise como autor de livros e documentários sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra ao recontar a história da banda. Dono de uma memória prodigiosa e de grande acervo de fotos e vídeos, ele recria diálogos e situações que marcaram a longa jornada do grupo. Lembra como o trio estabeleceu laços com os principais roqueiros da geração 80. Às vezes com turbulências: a amizade com Lobão, por exemplo, azedou em razão de uma treta que virou folclore nos bastidores da música. Tudo eram afagos entre os Paralamas e o colega até 1984, quando Herbert Vianna mostrou a ele uma canção ainda inédita, chamada Me Liga. Após ouvir alguns versos, Lobão esbravejou e acusou-os de plagiar uma música dele que estava saindo do forno — a hoje manjadíssima Me Chama. E saiu do camarim de um show batendo a porta. A rusga durou anos. “Na época, ficamos decepcionados com a forma tão vil de ele falar de nós, moleques que éramos fãs. Hoje, o Lobão já ficou de bem com o mundo. Quando o Herbert ainda estava no hospital após o acidente, uma das primeiras músicas que ele tocou foi Me Chama. Lobão ficou tocado ao saber disso”, diz Barone.

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FESTA - Baú da banda: o trio no palco em 1991, no casamento de Herbert
FESTA - Baú da banda: o trio no palco em 1991, no casamento de Herbert (João Barone/Arquivo pessoal)

O Passo do Lui – Os Paralamas do Sucesso [Disco de vinil]

O estouro da banda se deu em 1985, após uma apresentação histórica no Rock in Rio. Dali em diante, o grupo se jogaria na estrada, fazendo até dois shows por dia. O ápice foi o lançamento de Selvagem?, em 1986, quando o trio investiu em uma sonoridade mais brasileira, criando hits como Alagados e A Novidade. O álbum vendeu cerca de 700 000 cópias, um assombro para a época, quando apenas Roberto Carlos conseguia alcançar números superiores. Ao longo da carreira, lançaram quinze álbuns de estúdio e venderam cerca de 5 milhões de discos.

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1,2,3,4! CONTANDO O TEMPO COM OS PARALAMAS DO SUCESSO, de João Barone (Máquina de Livros; 416 págs.; 89 reais e 49 reais em e-book)
1,2,3,4! CONTANDO O TEMPO COM OS PARALAMAS DO SUCESSO, de João Barone (Máquina de Livros; 416 págs.; 89 reais e 49 reais em e-book) (./.)

Barone recheia o livro com fotografias de bastidores e aventuras da estrada, como a turnê pela Europa em 1993, na qual tocaram com Brian May, do Queen. Meses depois, o glamour deu lugar a uma apresentação no porão precário de um clube em Madri, na Espanha. O calor era tanto que os três tiveram de parar no meio para tomar uma ducha e depois retornar — em sopa — ao palco. “Era a única maneira de ir até o fim”, conta.

O livro do disco: Os Paralamas do Sucesso, Selvagem? – Mario Luis Grangeia

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Em contraste com as passagens divertidas e luminosas, Barone dedica a parte final do livro ao relato de como a banda recebeu a notícia do acidente com Vianna e dos dias de apreensão ante a possibilidade de ele morrer ou jamais voltar a ter movimentos e tocar. A narrativa termina logo após a tragédia — apesar de a banda atualmente ter mais tempo com Herbert já na cadeira de rodas do que antes, em uma reinvenção que foi desafiadora não só para o cantor, mas também para Barone e Ribeiro. “Nossa história não acaba onde termina o livro, mas eu tinha de dar um final para, quem sabe, lançar um segundo volume falando desses 23 anos pós-acidente”, afirma. Para quem viveu no olho do furacão do rock, segurar o ritmo hoje é fichinha.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905

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