“Elton John me liga só para fofocarmos”, diz Brandi Carlile sobre o músico
A cantora americana revela os bastidores da gravação do novo álbum, 'Who Believes in Angels?', feito em parceria com o músico britânico

Quando Elton John se despediu dos palcos, em 2022, na turnê Farewell Yellow Brick Road, a cantora country americana Brandi Carlile estava ao seu lado. A canção de despedida, Never Too Late, apresentada no documentário de mesmo nome, e indicada ao Oscar, foi composta por ela em parceria com Elton. Em seguida, a dupla se reuniu num estúdio por 20 dias para compor um novo álbum de inéditas. A intensa convivência revelou uma faceta pouco conhecida de Elton. O músico, que sofre de fortes dores no corpo e revelou estar ficando cego, chegou a rasgar letras e até a quebrar um iPad por não gostar do resultado. Fã do cantor desde a infância, Brandi viu naquele comportamento o homem comum por trás do ídolo. O resultado foi o álbum Who Believes in Angels?, cuja canção título já foi lançada.
Brandi Carlile, de 43 anos, conversou com a reportagem de VEJA sobre o processo de composição do disco e da amizade que desenvolveu com Elton John. Criada no estado de Washington, nos anos 1990, Carlile vivia em um trailer com o pais conservadores e nunca havia conhecido uma pessoa gay, quando ouviu pela primeira vez Elton John. Alguns anos depois, aos 18 anos, após se assumir gay, Carlile enviou cartas para Elton e Bernie Taupin e viajou para Los Angeles apenas para conhecer o escritório onde Elton John tinha uma mesa. No fim, Carlile acabou ficando amiga de Elton, dessas para quem ele liga de madrugada só para fofocar.
Após a aposentadoria dos palcos, Elton sentiu a necessidade de compor um novo álbum, num retorno às origens e convidou Carlile para participar do processo. O artista permitiu ainda que filmassem em tempo real os estúdios e mostrasse todo o projeto de composição. Dessas imagens surgiram flagrantes de carinho entre os dois, mas também momentos de explosão de Elton, frustrado com uma letra ou melodia que não o agradava.
No bate-papo com VEJA, Carlile falou ainda sobre sua fundação Looking Out Foundation, que ajuda crianças carentes em zona de guerra, e também da fundação de Elton John, que apoia tratamentos com pessoas com HIV/Aids. A artista se mostrou preocupada com o fim da USAID, anunciada por Donald Trump, mas disse que não irá desistir de ajudar as pessoas. Confira a seguir os melhores trechos:
Quão intenso foi passar 20 dias com Elton John no estúdio, após ele rasgar as partituras e quebrar equipamentos? Foi muito intenso por muitas razões. Estava claro que Elton não estava bravo conosco. Ele estava passando por um período de insegurança e dúvida. Para ser honesta, é lindo ver alguém demonstrar exatamente como se sente. Acho que às vezes podemos reprimir nossas emoções para no fim do dia não nos indispormos como ninguém. Elton não faz isso. O que ele sente, você vê. Eu realmente gosto disso. É honesto. Claro, houve momentos tensos, mas acho que esses momentos também fizeram com que surgissem músicas realmente lindas, justamente devido à autenticidade. Foi inspirador. Ele me ensinou a me soltar quando eu me sentir instável.
Foi um daqueles momentos em que você percebe que seu ídolo também é uma pessoa normal e não um super-homem? Sim. Minha coisa favorita é que ele sabe rir de si mesmo. É simplesmente incrível ele ter permitido que filmássemos o estúdio para mostrar o processo de composição em tempo real. Eu não conheço ninguém assim além dele.
De ídolo, ele se tornou seu amigo e hoje ele te liga para conversar amenidades. Como são essas conversas? Nos falamos quase todos os dias. Fofocamos muito! Também ouvimos música. Ele geralmente tira sarro das minhas roupas. Temos um relacionamento ótimo e foi por causa desse relacionamento que ele me pediu para fazermos esse álbum. Achei que fosse brincadeira, mas ele estava falando sério. Fiquei muito feliz que tenha dado certo.
Como foi o processo de composição de Never Too Late, indicada ao Oscar? Foi uma grande honra fazer essa música. Para escrevê-la, eu assisti ao corte bruto do documentário com imagens incríveis de arquivo. A felicidade de Elton com seu marido e filhos realmente me tocaram. Eu, como mulher gay, casada com uma mulher e duas filhas pequenas, pensei: é realmente lindo ver Elton e David. Eles são uma parte muito importante da razão de eu ter me casado e formado uma família. É realmente inspirador. Percebi que a serenidade na vida de Elton, no entanto, veio tarde na vida dele. Aí pensei: nunca é tarde demais, não é? Comecei a escrever essa letra sobre todas as coisas pelas quais ele passou e como ele sempre tinha uma atitude positiva sobre isso. Ele não gosta de viver no passado. Ele não gosta de negatividade. A menos, é claro, que o bate-papo seja uma boa fofoca. Ele sempre diz: “Quais são as novidades? O que tem de bom agora? O que tem ouvido de música nova? “. Eu simplesmente amo essa energia que ele tem. Ele sobreviveu a todas essas coisas, todas as doenças e problemas físicos. É um homem de ferro. Eu queria escrever uma música realmente encorajadora para ele cantar sobre si mesmo e o documentário me deu isso.
Quando você era mais jovem e estava no começo da carreira, você viajou para Los Angeles apenas para conhecê-lo, não foi? Na verdade, foi pior do que isso. Viajei para Los Angeles para visitar o escritório de uma gravadora onde Elton John tinha uma mesa. Fui ver a mesa dele! Elton John e Bernie Taupin são a razão pela qual comecei a escrever músicas. Estar neste ponto da minha vida agora, onde estou compondo com eles, foi uma experiência realmente maravilhosa e mística. O álbum Who Believes in Angels é tão importante para mim, porque se não há anjos, por que isso aconteceu comigo?
Elton se aposentou dos palcos, mas não da música. Como ele lida com os graves problemas de saúde que enfrenta, com a cegueira e a dor no corpo? Ele é um homem de ferro. É muito durão. Ele aparecia nos estúdios todos os dias na hora exata. Nunca se atrasava e ficava até o fim. Nunca tinha visto alguém trabalhar tão tudo e tão diligentemente no estúdio. A ética de trabalho dele é inacreditável. Ele ficava chateado às vezes, mas ele é um ser humano e eu achei isso muito bonito porque nossa amizade realmente evoluiu no estúdio. Acho que é uma história linda e verdadeira.
Elton John é um grande filantropo para a prevenção contra a HIV/Aids no mundo. Como vocês viram a recente decisão do presidente dos Estados Unidos de acabar com a USAID e cortar o financiamento de programas preventivos em países mais necessitados? Essa foi uma das primeiras coisas que pensei quando vi que os Estados Unidos ira pausar a ajuda. Eu também tenho minha própria fundação e estou muito preocupada com os refugiados e com as pessoas com HIV e Aids. São pessoas que necessitam de acesso a cuidados de saúde e informações. Essas pessoas precisam de ajuda de ativistas, mas também de ajuda dos Estados Unidos também. Espero promover mudanças de todas as maneiras possíveis e garantir que elas recebam a ajuda que precisam. Minha fundação, a Looking Out Foundation, fundada em 2007, faz um trabalho com pessoas deslocadas, refugiadas, crianças em zona de guerra e crianças cujas vidas foram destruídas pela guerra. Lidamos com a escassez de alimentos e direitos LGBTQIA.