O uso da palavra diva costuma vir carregado de dois significados. Um deles é elogioso: trata-se de um adjetivo para mulheres, geralmente cantoras, que são excelentes. O outro sentido não é lá tão bom: são chamadas de divas mulheres tidas como “difíceis”, muito exigentes e que vivem distantes da realidade. No que cabe a Mariah Carey, ambos os significados da palavra são válidos. Com um alcance vocal incomparável e composições que vão do melodrama ao deboche do R&B, a cantora americana abraçou a imagem de diva em todos os seus parâmetros. Prova disso foi o show apresentado por ela em São Paulo na noite desta sexta-feira, 20, em um estádio lotado.
Com uma hora de meia de duração, o show passou por várias fases dos 35 anos da carreira de Mariah. O tempo curtinho da apresentação não foi empecilho para que ela trocasse cinco vezes de looks — desfilando com vestidos pomposos, brilhantes e claramente desconfortáveis. O cabelo alinhado foi posto à prova pela chuva que caiu sobre a cidade bem no meio do espetáculo: um sinal divino talvez, já que São Paulo amargava dias de seca. Sem muitos movimentos de dança — ou nenhum na verdade —, ela abusou dos agudos que levavam o público ao delírio e de interações mínimas com seus seis bailarinos malhados. O repertório começou com Love Takes Time e passou pelas baladas românticas que colocaram Mariah sob os holofotes nos anos 1990, até a fase rebelde do início dos anos 2000, chegando ao momento atual, no qual ela se embrenhou sem medo no R&B. Nos telões, brilhos e luzes mantinham a plateia dentro do mundo paralelo onde a cantora vive, no qual o glamour é abundante e os problemas humanos, irrelevantes.
A pose de diva, porém, não interfere no fato de quem Mariah tenha consciência de que, entre mortais, qualquer criatura com pose de divina nada mais é do que um personagem. Não à toa, aceitou, nos últimos anos, a piada de que ela é a cantora oficial do Natal (aliás, nenhuma música natalina é entoada no show). Abraçou também os gracejos sobre sua fama de difícil. Por exemplo, Mariah é do time que se atrasa — em épocas menos louváveis, quando se apresentou na Festa do Peão de Barretos, em 2010, passou uma hora e meia do horário marcado para subir ao palco. Hoje, deu início ao show pontualmente às 21h. Mas a essa jornalista que vos fala, a diva já deu um chá de cadeira de duas horas em 2020, quando concedeu uma entrevista a VEJA via zoom para divulgar seu especial de Natal da Apple TV+. Apesar do atraso, esbanjou carisma e simpatia ao longo da conversa. Uma boa diva, afinal, é aquela que, vez e outra sabe descer do salto — e Mariah fez isso, literalmente, na noite desta sexta em São Paulo: após o fim do show, voltou, do nada e descalça, para entoar a balada I Wanna Know What Love Is, um mimo aos brasileiros que se encantaram com a versão dela para a canção que foi trilha da novela Viver a Vida. As definições do que é ser uma diva, sem dúvida, foram atualizadas.