Em janeiro deste ano, o cantor capixaba Lúcio Silva – conhecido simplesmente por Silva — arrastou sozinho cerca de 15 000 pessoas num bloco de Carnaval no Memorial da América Latina, em São Paulo. Apesar do inegável sucesso de público, ele não estava satisfeito. Surgido no meio indie rock e com mais de dez anos de estrada, o músico de 36 anos circulava com desenvoltura entre nomes de peso do pop e da MPB, como Marisa Monte, Gal Costa e João Donato, mas nem de longe poderia ser considerado um artista mainstream — nem era o que ele buscava. No pós-pandemia, porém, Silva viu sua fama transcender as rodinhas de violão, especialmente após iniciar um badalado namoro com Thales Bretas, viúvo do humorista Paulo Gustavo. De repente, ele passou a ser conhecido nacionalmente — mas não por suas composições. “Acharam que o namoro era tudo marketing. Mas para mim foi assustador. Entrei no meio de um tiroteio midiático”, diz ele.
Meu Bloco na Rua – Rita Fernandes
Uma história da música popular brasileira – Jairo Severiano
Na esteira do bloco carnavalesco, Silva caminhava pela mesma trilha de Jão: assim como o fenômeno “descolado”, era mais um jovem cantor prestes a se tornar ídolo nacional. Foi aí que entrou em crise existencial: cancelou o bloco, terminou o namoro e se trancou no estúdio, em Vitória, no Espírito Santo, cidade onde nasceu e vive até hoje. De lá saiu com o romântico e promissor álbum Encantado, o sexto da carreira, com composições que vão do samba ao jazz, passando pelo pop e até o fado, com participações de craques como o maestro Arthur Verocai, o compositor Marcos Valle, a sambista Leci Brandão e a cantora portuguesa Carminho. Silva também puxou o freio na quantidade de shows da nova turnê. Ao todo, serão apenas doze até o fim do ano, somente em capitais — o próximo acontece em São Paulo, em 27 de setembro, no Espaço Unimed. “Detesto competir musicalmente. Já tentaram me rivalizar com um monte de gente, mas não caio nessa”, afirma.
Na Trilha do Pop – Kelefa Sanneh
Nascido na periferia de Vitória, aos 7 anos ele já tocava violino em casamentos. Criado em uma família extremamente evangélica, largou a religião ao não se sentir acolhido por ser gay. Na escola, sofria bullying e era chamado de modo preconceituoso. “Eu era aquela criança fofinha, muito simpática”, diz. Dono de ouvido afiado, ele se tornou nos anos seguintes o que costuma chamar de “nerd da música”, e se formou em piano clássico, com especialidade na obra de Robert Schumann (1810-1856). Mas seu interesse maior sempre foi o pop. Em Encantado, Silva toca piano, sintetizador, guitarra, violão, baixo e violino, além de assumir a produção musical. Foi preciso coragem para mudar a trajetória da fama fácil para algo condizente com o que acreditava ser o melhor para si. “Quero envelhecer fazendo música”, afirma. Na contramão da fama, Silva agora corre para longe dos holofotes — e se diz feliz assim.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909