O fabuloso acervo pessoal do camaleão David Bowie vira atração de museu
Nove anos após a morte do músico, o Victoria & Albert Museum inaugura ala dedicada a arquivo pessoal que revela como o artista genial se forjou

Pensar em David Bowie (1947-2016) é pensar não apenas em canções clássicas, mas em imagens. O primeiro lampejo que vem à mente tem um raio desenhado no rosto? É alienígena? Vampiro? Veste macacões do estilista japonês Kansai Yamamoto e exibe madeixas vermelho neon? Ou seria já mais maduro e estoico, como nos clipes do derradeiro álbum, Blackstar? Não importa. Seja lá a roupagem do camaleão que se tem em mente, ela está contemplada pelo David Bowie Centre, ala recém-inaugurada do museu Victoria & Albert em Londres e dedicada ao acervo composto por 90 000 itens que o próprio artista reuniu, preservou e catalogou ao longo das últimas três décadas de vida. Como ilustra o diretor do V&A, Tristram Hunt, “ela é um livro de referência para os Bowies do amanhã”.

O projeto está em curso desde 2023, quando o museu adquiriu o catálogo do artista por mais de 10 milhões de libras. Visionário, ele olhou sempre para a frente e teceu assim novas personas e sonoridades. Percebeu o valor de guardar sua memorabilia nos anos 1990, quando fez sua única turnê de retrospectiva, a Sound+Vision. A partir de então, acumulou tudo o que pôde: artefatos, instrumentos, fotos, figurinos e cadernos, mas também merchandising pirata e presentes peculiares de fãs. Anotações próprias acompanham cada objeto e contextualizam as transformações de Bowie e suas repercussões. Ao abordar a turnê Glass Spider, por exemplo, o museu não foca na cenografia exuberante, mas em como a apresentação na Berlim ocidental ecoou para o outro lado do muro e inspirou protestos antissoviéticos.
Para além do valor histórico, há apelo inegável para fanáticos. Com isso em mente, o David Bowie Centre é organizado em nove espaços, oito dos quais expõem 200 itens selecionados pelo museu e um com curadoria de admiradores do artista — que será renovado a cada seis meses. Os primeiros felizardos são o colaborador Nile Rodgers, produtor do disco Let’s Dance, e a banda The Last Dinner Party, cujas integrantes de 20 e poucos anos tietam o roqueiro sem pudor. Como os milhares de itens não cabem no espaço expositivo, o museu oferece agendamentos com antecedência para a consulta individual de até cinco peças — como uma carta de 1968 em que a gravadora Apple, dos Beatles, rejeitava sua contratação — Bowie explodiu meses depois e guardava a missiva como tesouro.

Por meio do acervo é possível, sobretudo, entrever como Bowie planejava de modo meticuloso cada passo de sua carreira. Fotos mostram como ele mesmo desenvolvia suas maquiagens, e anotações íntimas o flagram arquitetando suas ideias. Não só reflexo do passado, o novo espaço revela também o futuro que Bowie não chegou a realizar, ao trazer à luz o último projeto em que trabalhou antes da morte: uma peça musical sobre a Inglaterra do século XVIII, repleta de criminosos e artistas que o inspiraram. Mesmo após quase uma década de sua morte, o Camaleão continua a surpreender.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963