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Paris é uma Festa

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Histórias da cidade olímpica fora das arenas

A sommelière brasileira que atende de Neymar a Carla Bruni

Marina Giuberti furou uma das mais impermeáveis bolhas francesas: a do mundo dos vinhos

Por Monica Weinberg, de Paris
Atualizado em 6 ago 2024, 07h21 - Publicado em 6 ago 2024, 07h16

Tem muito francês bufando pelas ruelas e bulevares pelo excesso de turistas, a inflação no metrô e os transtornos no trânsito, o que fez uma parcela debandar da cidade, alugando seus apartamentos por cifras nunca antes experimentadas num já encarecido mercado imobiliário. Em meio a muito bico, alguns atenuados pela festa dos Jogos, o humor da capixaba Marina Giuberti, 45 anos, é outro.

Em seu metiê, o dos cavistas, a maioria aguarda a volta do velho normal, com número administrável de forasteiros e todos os locais (ufa) de novo em cena. Já Marina vê o zunzunzum olímpico como oportunidade. “O interesse pela França, que já é grande, só vai aumentar, e isso é favorável para todos nós”, diz.

O mundo da enologia, em que ela fincou os pés apesar de narizes inicialmente torcidos, é tão vital às engrenagens da vida francesa que tem o status de “serviço essencial”. Quando a pandemia desabou sobre a cabeça da humanidade, o governo exigiu que certos comércios seguissem funcionando: entre eles, boulangeries e fromageries (faltar baguete e queijo seria sacrilégio), além das caves (impensável levar a vida sem uma taça cheia ao lado).

“Você aprendeu isso no Brasil?”

Dona da Divvino, com dois endereços parisienses com mais de 1 000 rótulos, sua trajetória envolveu furar bolhas de preconceito. A primeira era por não ser francesa. “Já me disseram que eu estou para o vinho na França como um japonês está para o futebol brasileiro”, conta Marina, que até escutou: “Vem cá, você aprendeu tudo o que sabe no Brasil mesmo?”

A resposta é não – ela estudou no Instituto Italiano de Coccina, na região do Piemonte, onde saiu especializada em gastronomia e vinhos. A partir daí, acumulou dois ineditismos: virou a primeira brasileira a receber o título de sommelier pelo governo francês e única mestre cavista estrangeira no país, grupo composto por 40 profissionais. Se contar só a ala feminina, fica mais seleto – elas não passam de três.

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O fato de ser mulher ainda traz, neste terreno até hoje predominantemente masculino, algum espanto. No último Natal, um cliente entrou em sua loja do Marais e, ao ser abordado por Marina, disparou: “Tem certeza de que tem capacidade para me atender?” Ao que ela, rápida no gatilho, respondeu: “Olha que sorte que você deu, sou a dona e esse é o meu currículo…” E começou a desfiar seus títulos.

Cheque em branco de Carla Bruni

Imagem sem texto alternativo Carla Bruni: uma das clientes especiais (Eric Feferberg / AFP/VEJA)

A clientela heterogênea mistura o povo do futebol (Neymar incluído), deputados, senadores e artistas como Carla Bruni, ex-primeira dama na era Nicolas Sarkozy, adepta dos champanhes orgânicos. Não faz muito tempo, armou-se um rebuliço em torno dela na loja, que, como muitas na cidade, não aceita cheque.

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O enrosco começou quando um assessor de Bruni baixou por lá querendo pagar pelo método antigo. O cheque estava até assinado, só com o valor em branco, para Marina preencher. Detalhe: os donos da conta eram madame e monsieur Sarkozy. A princípio, os que viram aquilo se insurgiram, mas, ao saber de quem se tratava, acharam que a proprietária deveria mesmo abrir uma exceção.

“Você não está no calçadão de Ipanema!”

A passagem de Marina pelo estrelado Le Calendre, na lista dos melhores restaurantes do mundo, em Pádua, a uns 40 minutos de carro de Veneza, foi uma escola em muitos níveis. Ali, passou por confeitaria, cozinha e atendimento, além de se embrenhar pelos vinhos, como assistente de sommelier. “Aprendi tudo, até a andar, literalmente”, conta. No salão, ela era repreendida pelo chef por não cadenciar os passos. “Timing, eficiência, ritmo – esses conceitos eu absorvi no restaurante”, lembra.

Quando achou que já estava tudo no jeito, a crítica veio revestida de outra dura observação. O chef achou, na cozinha, o problema era outro: ela caminhava se arrastando. E lhe chamou atenção: “Você acha que está passeando no calçadão de Ipanema?”, ouviu e assimilou.

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Quando os Jogos terminarem, Marina, que é também presidente dos cavistas da Île-de-France, região que abrange toda Paris, tem encontro marcado com o assessor do presidente Emmanuel Macron para “assuntos relativos a alimentação, gastronomia e diplomacia culinária”, como informa seu cartão de visitas. Atento à movimentação de uma indústria muito bem estabelecida, o Palácio do Élysée quer fomentá-la. Uma das iniciativas é conceder prêmios para os melhores de cada área, o que cria uma competição entre boulangers, patissiers e chefs – disputas acirradas para saber qual o mais saboroso macarron, a baguete mais crocante, e por aí vai.

Para Marina, é uma chance de pôr à mesa um plano antigo – uma cartilha da hospitalidade com o objetivo de criar certas diretrizes para melhorar o serviço, cutucando práticas bem francesas. Ela avalia que, mexendo aqui e ali, os avanços podem ser substanciais. Há em seu projeto um repertório bem básico: desde incentivar que os atendentes aprendam uma segunda língua (“para a maioria, é só francês e ponto”) e não partir do pressuposto de que ele, o funcionário, tem sempre razão (“não deveria ser justo o contrário?”). E é assim que ela vem, aos poucos, dissolvendo barreiras, pondo o “tim-tim” no vocabulário nacional e fazendo as taças tilintarem em Paris.

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