Os bilionários franceses brigam, e a gente se dá bem
Arnault e Pinault, os todo-poderosos da moda, têm cada qual um museu - e vale a visita entre um jogo e outro
A disputa entre Bernard Arnault, 75 anos, dono do grupo LVMH, a maior concentração de grifes caríssimas do mundo (Louis Vuitton, Dior, Givenchy), e François Pinault, 87, do conglomerado Kering (Gucci, Yves Saint Laurent, Balenciaga), tem raízes antigas e não para de render frutos e fofocas.
A rixa volta aos anos de 1990, quando Arnault estava para arrematar a Gucci e eis que de repente aparece Pinault, atropelando a negociação e levando para si a marca italiana. Acendeu assim a ira de seu colega no ranking dos bilionários. Arnault, aliás, vira e mexe aparece no topo – hoje ocupa a terceira posição na lista global da Forbes, com 192,5 bilhões de dólares. Na Europa, desponta em primeiro. Neste round, Pinault fica atrás, com 25,3 bilhões (parece pouco?).
Conhecido como “o lobo de cashmere”, Arnault, casado com uma pianista, é discreto na vida pessoal e agressivo quando sai a campo para expandir seus domínios. Um contraste com o mais midiático Pinault, chegado às celebridades e até a Donald Trump, que passou o bastão ao filho François-Henri, casado com a atriz mexicana Salma Hayek. Com este pano de fundo de rivalidades, eles desembarcaram no mundo das artes, ajudando a sacudir a cena em Paris.
Trégua para ver e admirar
Arnault plantou em pleno Bois de Boulogne sua Fundação Louis Vuitton, abrigada numa construção traçada pelo arquiteto-celebridade Frank Gehry. Parece um navio feito de aço e vidro, transparência que proporciona deslumbrantes vistas de Paris ao longo de mostras com nomes do quilate de Henri Matisse, agora em exibição (comprar o bilhete na internet com antecedência é mandatório). A exposição gira em torno de um emblemático quadro de 1911 do mestre do fauvismo – O Estúdio Vermelho, que o MoMa de Nova York cedeu à fundação.
A imensa obra mostra o lugar onde o artista que usou as cores à vontade trabalhava na época, em Issy-les-Moulineaux. Na tela, se avistam suas pinturas e esculturas, mobília e objetos decorativos. Eles agora ganham vida na exibição, reunidos pela primeira vez desde que deixaram seu cenário original. Também há desenhos e outros quadros relacionados a este, como O Grande Interior Vermelho, distante quatro décadas no tempo, uma reinterpretação do próprio autor numa fase em que sacudia seu estilo. “O diferencial de O Estúdio Vermelho é a abstração”, resumiu Matisse.
Nesta maratona olímpica cheia de opções para quem gosta de arte, Pinault também pôs sob os holofotes o melhor de sua vasta coleção, composta principalmente de obras criadas entre os anos 1980 e os dias de hoje. Elas podem ser vistas na Bourse de Commerce, um ótimo museu de arte contemporânea aberto em 2021, próximo ao Louvre.
O prédio do século XVIII, onde funcionava a antiga Bolsa de Valores, custou a receber o aval da prefeitura para ser convertido no efervescente espaço para a cultura de agora – aí Arnault acabou inaugurando sua fundação bem antes, em 2014.
Pinault correu atrás do tempo perdido e recrutou o badalado arquiteto japonês Tadao Ando, que ergueu, sob a icônica abóbada, um cilindro de concreto destinado às exposições. Quem for lá nesses dias verá um imenso espelho, peça monumental instalada justamente na rotunda, que inverte a visão, fazendo do visitante o protagonista.
O autor é o sul-coreano Kimsooja. Pelo bem iluminado edifício espalham-se ainda obras de Damien Hirst, Jeff Koons, Cindy Sherman e muitos outros, todos integrantes da mostra Le Monde Comme il Va, em cartaz até 12 de setembro.
Quem dá mais?
Há outras arenas de combate entre a bilionária dupla. Em Bordeaux, de onde emergem alguns dos melhores rótulos de vinho do planeta, cada qual tem a sua propriedade e seu status. Ambos também foram às compras no mercado imobiliário europeu e americano, arrematando metros quadrados aspirados por sua localização, seja na Champs Elysées, onde possuem super lojas e escritórios na vizinhança, ou nos abastados Hamptons, no estado de Nova York.
Depois de a catedral de Notre-Dame ser consumida pelas chamas, no triste incêndio de 2019, Pinault tomou uma decisão atípica na França, onde o governo é que se encarrega do patrimônio. Tirou 100 milhões de euros do bolso para a reconstrução.
Não deu 24 horas, e Arnault dobrou a aposta – doou 200 milhões para a linda igreja que começa a ganhar vida nova (nos Jogos, só dá para apreciar mesmo a imperdível fachada, já que as portas do belo exemplar gótico abrirão apenas no fim do ano).
Está aí uma briga das boas.