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João Doria diz que quer ser o Bloomberg brasileiro. Será mesmo?

O paulistano parece não haver aprendido as lições do prefeito que tem como inspiração

Por Beni Fisch
Atualizado em 4 jun 2024, 18h22 - Publicado em 26 jul 2017, 17h37
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  • * Texto de Beni Fisch, formado em ciência política e história pela Universidade McGill e mestre em Economia Política Internacional pela LSE. Originalmente publicado no site Terraço Econômico.

    O prefeito de São Paulo esteve recentemente em Nova York e se encontrou com o ex-prefeito da capital financeira mundial Michael Bloomberg. Doria aproveitou a oportunidade para destacar que, em sua visão, tem um estilo bastante parecido com o americano.

    O fascínio do prefeito paulistano com Bloomberg aparenta ser antigo. Poucos dias após ser eleito em primeiro turno, Doria disse que lhe agradava a comparação. 

    De fato, há semelhanças entre os dois – a começar por suas fortunas. Bloomberg tem uma fortuna estimada em US$ 49 bilhões (cerca de R$ 161 bilhões), enquanto o prefeito paulistano declarou patrimônio de R$ 179 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral. Essas riquezas permitem aos dois abrir mão de seus salários ao longo de quatro anos sem onerar suas famílias.

    Além disso, ambos fizeram carreira no meio empresarial. Doria era presidente de um grupo de comunicação e marketing, enquanto Bloomberg vem do setor financeiro. Ambos então usaram suas carreiras para lançar candidatura à prefeitura da maior cidade de seus respectivos países – Bloomberg em 2002 em Nova York, Doria ano passado em São Paulo.

    As semelhanças, no entanto, param por aí. A lista a seguir enumerará alguns pontos que evidenciam as diferenças de estilo entre Doria e Bloomberg.

    1. Segurança viária

    A pauta da segurança no trânsito é provavelmente a maior diferença entre os dois. As falas e ações efetivas de Doria e Bloomberg nesta área dificilmente poderiam ser mais antagônicas. Em 2007, já em seu segundo mandato, o ex-prefeito de Nova York iniciou um ambicioso plano de redução de mortes no trânsito.

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    Várias medidas do plano foram inclusive trazidas para São Paulo pela fundação filantrópica de Bloomberg a partir de 2015. Foi formado um grupo de trabalho com cinco áreas prioritárias: reduções dos limites de velocidade, corredores de ônibus, infraestrutura cicloviária, segurança para os pedestres, e implantação das Áreas 40 (áreas inteiras da cidade nas quais o limite de velocidade é 40 km/h em todas as vias).

    Todas estas ações fazem parte de um projeto global chamado Vision Zero (Visão Zero), implantado em Nova York pelo sucessor de Bloomberg, Bill de Blasio. O Vision Zero reconhece que, se todos seguissem todas as regras de trânsito o tempo todo, praticamente não haveria acidentes; no entanto, até os mais bem intencionados seres humanos cometem erros – e um sistema que só é seguro quando ninguém comete erros não é um sistema projetado para seres humanos.

    Fica evidente o descaso de João Doria para com a segurança viária, área prioritária no governo de Bloomberg. Tendo feito de principal vitrine do início de seu mandato o aumento das velocidades das marginais Pinheiros e Tietê, Doria foi contra não apenas um consenso internacional, como também contra os números oficiais da própria cidade, que apontavam redução de 52% nos acidentes fatais nestas vias após um ano.

    Mais preocupantes ainda, no entanto, são as falas mais recentes de Doria sobre o tema. Após a PM registrar aumento de 67% no número de acidentes nas marginais após o aumento de velocidades no primeiro trimestre de 2017, Doria vem repetindo a afirmação de que os acidentes são meros frutos da “imprudência” dos motoristas. 

    2. Parcerias com o setor privado

    Doria tem feito das parcerias com o setor privado uma marca de seu governo. Desde o início do mandato, foram inúmeros os anúncios de “doações privadas sem contrapartida” à cidade — da reforma de praças e parques à implantação de banheiros públicos, passando por doações de livros e remédios.

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    Essa afinidade com o setor privado parece ser um ponto de convergência com Bloomberg, que é um liberal convicto. Mas a história não é tão simples assim. Houve, de fato, muito dinheiro privado durante os mandatos de Bloomberg à frente da prefeitura de Nova York. Boa parte destes recursos, contudo, vieram do bolso do próprio prefeito. 

    Ao longo dos 12 anos de Bloomberg no poder em Nova York, apenas um projeto contou com doações privadas ao estilo das que Doria vem promovendo em São Paulo: a High Line, espécie de Minhocão nova-iorquino transformado em parque suspenso. O projeto contou com mais de US$ 20 milhões em doações. Entretanto, há uma crucial diferença com o caso de São Paulo: as doações não vieram de grupos empresariais, mas sim de fundações filantrópicas mantidas por famílias tradicionais da cidade (sendo este tipo de doação bastante comum nos EUA).

    Empresa não é ONG, como Sérgio Praça explicou no Terraço Econômico. É possível que uma empresa faça uma doação milionária sem realmente querer nada em troca? Em teoria, sim. Mas o conflito de interesses é gritante – especialmente quando esta empresa está envolvida em negócios com a prefeitura, como é o caso do grupo Ultrafarma. 

    Por isso a lei brasileira prevê mecanismos como licitações abertas, chamadas públicas e portais de transparência: tudo com o intuito de dar a maior transparência possível aos negócios entre setor público e privado.

    Infelizmente, todos esses princípios têm sido desrespeitados. Mesmo ao tentar dar um mínimo de transparência às doações recebidas pela prefeitura, Doria mostra desprezo por canais institucionais oficiais: em vez de divulgar os números no Portal da Transparência, ele os publicou em seu Facebook pessoal, em atitude típica de quem está mais preocupado com o marketing. Pior: a lista contém uma série de imprecisões, números vagos, e cifras padronizadas para diferentes itens.

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    3. Ciclovias

    Bloomberg fez mais de 700 km de ciclovias e implementou CitiBike, programa de compartilhamento de bicicletas. Isso mudou o paradigma de uma cidade que, assim como São Paulo, dava prioridade ao automóvel. Talvez não exista símbolo maior disso que a transformação da famosa Times Square em uma grande praça para pedestres e ciclistas, retirando de lá o tráfego motorizado.

    Nada disso foi feito por teimosia ideológica, mas por uma obsessão com estudos. Como Janette Sadik-Khan, secretária dos transportes de Bloomberg, afirmou em palestra em 2013, seu chefe exigia números e estatísticas completos antes de qualquer reunião.

    João Doria parece não haver aprendido as lições do prefeito que tem como inspiração. Recentemente, Doria declarou que a malha de ciclovias da cidade é “excessiva”. Sem embasamento, também argumenta que as ciclovias “prejudicam o comércio”.

    4. Anti-intelectualismo e partidarização política

    Em entrevista à CBN no início de fevereiro, Doria, devidamente fantasiado de gari, foi confrontado sobre a ampla gama de estudos e especialistas contrários os aumentos de velocidade nas marginais. Em resposta, Doria afirmou: “eu não sirvo especialistas – eu sirvo o povo de São Paulo”.

    Em tempos de “pós-verdade”, “especialista” virou uma espécie de palavrão. Triste realidade esta em que uma pessoa que passou boa parte de sua vida dedicando-se a estudar a fundo certa área do conhecimento humano é tratada com a atenção que se dá a um textão de Facebook.

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    As decisões que um prefeito há de tomar são importantes demais para serem deixadas à mercê de achismos e obscurantismo. E é por isso que o lema de Michael Bloomberg era: “In God we trust. Everyone else, bring data.” (“Em Deus nós confiamos. Todos os demais, tragam dados.”)

    Com sua obsessão por dados, o ex-prefeito de Nova York vem tentando, nos últimos anos, criar uma ponte entre a esquerda e a direita, em um cenário de polarização extrema. O ex-prefeito (que já pertenceu tanto ao partido Democrata quando ao Republicano, antes de se tornar independente) inclusive cogitou uma candidatura presencial nas últimas eleições, visando a oferecer uma alternativa centrista a um possível duelo entre Donald Trump e Bernie Sanders.

    Enquanto isso, em São Paulo, João Doria tacha de “petista” ou “grevista” a todos aqueles que criticam seu governo, no que parece uma tentativa de surfar a onda do anti-petismo para preparar o terreno para uma possível candidatura presidencial em 2018.

    Em vez de agir como um verdadeiro Bloomberg e oferecer um projeto que remende as feridas nacionais e una o país, Doria tenta acentuar ainda mais a partidarização extrema, e utilizá-la a seu favor.

    Tudo isso leva a uma triste conclusão. Michael Bloomberg é exatamente aquilo que o marketing de Doria tenta atribuir ao prefeito paulistano: estudioso e gestor. Já Doria, apesar do marketing, cada vez mais mostra o que realmente é: anti-intelectual e político. Sorte dos nova-iorquinos. Azar dos paulistanos.

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