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‘Preciso vê-los como humanos, não como animais que se mostraram’

O juiz que chefiou as negociações da rebelião que resultou no maior massacre de presidiários da história do Brasil relata as cenas aterradoras que viu

Por Luis Carlos Valois
Atualizado em 6 jan 2017, 13h03 - Publicado em 6 jan 2017, 12h59

Resumo do que presenciei: A rebelião começou à tarde, mas eu só soube à noite. Por volta de 22h me ligaram da Secretaria de Segurança pedindo minha presença. Vieram me buscar.

Chegando lá, os presos tinham tomado todo o regime fechado e o semiaberto. Fizeram um buraco e passavam de um lado para o outro. A polícia havia cercado o local. A informação era de seis corpos. Falei com o preso que negociava pelo rádio e disse que conversaria com ele pessoalmente. A polícia fez os preparativos de segurança.

Dois presos vieram, pedindo apenas que nos comprometêssemos a não fazer transferências, a manter a integridade física e o direito de visitas. Eu disse que iria conversar com os responsáveis pela segurança, mas que só faria isso se eles soltassem três reféns.

Eles soltaram. Pedi que eles saíssem do regime semiaberto. Eles saíram. A polícia tomou o semiaberto, bloqueou a passagem. Depois os presos disseram que só iriam entregar os outros reféns às 7 da manhã. Esperou-se.

Voltei, falei com o preso de antes, levei um documento dizendo que as autoridades estavam de acordo. Eles entregaram os demais sete reféns funcionários, sem ferimentos. Alguns reféns presos feridos saíram de ambulância.

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Vi muitos corpos, parecendo que morreram entre 50 a 60 presos (pessoas), mas difícil afirmar, pois muitos estavam esquartejados. Quando a polícia entrou no Complexo, voltei para casa. Nunca vi nada igual na minha vida, aqueles corpos, o sangue… fiquem com Deus!

Vou confessar para vocês, não está sendo fácil. Não falo das críticas, só não as tem os omissos. Também não falo das ameaças que, no caso de juízes da execução penal, também só não as tem os omissos. Falo do meu sentimento para com os presos que cometeram essa barbárie.

Quando acabar o recesso, terei que voltar a trabalhar, e trabalho diretamente com esses presos. Preciso voltar a vê-los como seres humanos e não como os animais que se mostraram.

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Se não recuperar a minha capacidade de ver humanidade nessas pessoas, não poderei voltar para a Vara de Execução Penal, porque o primeiro requisito de um juiz da execução é ver seres humanos atrás das grades.

Não estou falando de direitos humanos, direito é lei, fácil avaliar objetivamente, falo de sentimento. Estou pensando em realizar algo parecido com a justiça restaurativa, para superar o dano na minha própria humanidade.

De uma coisa eu sei, se não fosse o apoio que recebi, assim como as críticas, talvez eu desistisse da Vara de Execução Penal. Seria mais fácil, mas vou continuar tentando, ainda que com muito esforço para superar a mim mesmo. Obrigado!

Texto originalmente publicado no Facebook de Luis Carlos Valois, juiz da Vara de Execuções Criminais do Amazonas, mestre e doutor em criminologia pela Universidade de São Paulo

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