Agora é moda: o novo pobre
O caro com cara de barato, mas nem tudo é pobrismo na cena fashion atual
A notícia caiu como uma bomba estraga-penteado no mundo fashion, no dia de ontem. A maison francesa Balenciaga, uma das três grandes remanescentes da era de ouro da haute couture – as outras são Chanel e Dior – apresentou um novo modelo de bolsa. Até aí nenhuma novidade, uma vez que bolsas são o grande fetiche da moda desde que atingiram o status semelhante ao do colar de pérolas, na década passada. Pode-se medir o poder de fogo e elegância de uma mulher através da bolsa que carrega.
Acontece que o modelo colocado no mercado pela marca criada nos anos 30 pelo espanhol Cristobal Balenciaga (1895-1972), na verdade é uma sacola. Grande, confeccionada – na Itália – em couro brilhante azul, pode ser usada como bagagem para um fim de semana e ostenta o logotipo dourado favorito de nove entre dez fashionistas, blogueiras, celebridades e deslumbradas em geral. Pode pertencer a qualquer uma que desembolse 2.145 dólares (cerca de 6. 750 reais) pelo mimo e é basicamente idêntica à sacola de compras da popular marca sueca de móveis de baixo custo IKEA, que custa o equivalente a 1 dólar.
Claro que a sacola nórdica, conhecida como FRAKTA, é feita com material barato, reciclado, e se destina a expedições mais corriqueiros, como ao supermercado da esquina, do que à circuladas de luxe pelos balneários de verão e estações de esqui.
Até o momento a Balaneciaga não se pronunciou sobre a coincidência, mas os iniciados sabem que o atual diretor criativo da casa, o georgiano Demna Gvasalia, é chegado em uma paródia e no flerte entre o varejão e o mercado de luxo, algo que podemos classificar como o “novo pobre”. E dessa vez se jogou com vontade.
Enquanto analistas do mercado de moda falam em “divertida perversão de valores” e “anedota de estilo”, a muito festejada boutique Colette, descolado endereço em Paris, capitaliza o lance e informa que vem desenvolvendo com a FRAKTA uma linha de produtos para paladares sofisticados e orçamentos limitados. Tudo a ser lançado muito em breve. A IKEA está adorando cada minuto – já divulgou que com o equivalente ao preço da sacola Balenciaga, é possível mobiliar um pequeno apartamento em qualquer uma de suas lojas.
Mademoiselle Chanel, do alto de sua elegante sabedoria, dizia que a verdadeira moda é aquela que chega às ruas, mas há algum tempo esse jogo se inverteu e a rua subiu na passarela sem a menor cerimônia. No mesmo departamento de acessórios, anos atrás o belga Raf Simons – ex-diretor criativo da Dior, agora na Calvin Klein – chamou a atenção com uma bolsa de mão que lembrava os sacos de papel pardo que se usa para carregar um lanche ou uma bebida. Era feito em couro macio e custava muito, mas muito mais do que um saco de papel. Foi um sucesso de vendas, com fila de espera.
Mas como nem só de afetação de pobrismo vive a moda atual, do outro lado do Atlântico, em Nova York, comemora-se o aniversário de 150 anos da revista Harper’s Bazaar. Se Vogue é a Bíblia da moda desde sempre, Bazaar é o seu Novo Testamento. Foi a publicação que praticamente estabeleceu a moderna linguagem do jornalismo de moda, unindo estilo e design com os grandes movimentos artísticos e culturais do século XX.
Ainda que hoje esteja muito longe de sua existência avant-garde, a revista tem um legado impressionante, muito graças ao trabalho da irlandesa Carmel Snow que dirigiu a redação, com mão de ferro e trajes elegantes, entre 1934 e 1958. Substituiu ilustrações rebuscadas e imagens estáticas de pioneiros da fotografia como o Baron de Meyer, pelo dinamismo da direção de arte do russo Alexei Brodovitch – trabalhando com fotógrafos como Horst, Brassai, Cartier-Bresson e Louise Dahl-Wolfe – pelo styling delirante de Diana Vreeland – “a” editora de moda por excelência – e com a colaboração de jovens talentos como a modelo Lauren Bacall, o escritor Truman Capote, o ilustrador Andy Warhol e, sobretudo, o fotógrafo Richard Avedon.
Não à toa, ela circulava entre os grandes da moda de sua época. Foi quem batizou o estilo lançado por Christian Dior, em 1947, de New Look, e era íntima amiga da rainha da beleza Helena Rubinstein e de… Cristobal Balenciaga.
Era pragmática. Dizia fazer uma revista para “mulheres bem-vestidas com mentes bem-vestidas” e definia elegância como “Bom gosto, mais uma pitada de ousadia”.
Gostaria de saber o que ela diria sobre a sacola Balenciaga/IKEA.
A moda é uma quimera.