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Lugar de moda é no museu

Existem estilistas e existe Rei Kawakubo.

Por Mario Mendes Atualizado em 30 jul 2020, 20h55 - Publicado em 2 Maio 2017, 18h34

Existem estilistas e existe Rei Kawakubo.

Esqueça a o tapete vermelho carnavalesco, fartamente coberto pela mídia, da última segunda-feira durante o Met Gala – evento anual beneficente e maior momento da moda internacional, realizado no Instituto do Vestuário do Museu Metropolitan, de Nova York. Todo mundo que é alguém na passarela e na primeira fila das semanas de moda foi: de Adriana Lima a Zendaya, passando pelas inevitáveis Kardashians, Rihanna, Nicki Minaj, Naomi e… Gisele.

O real motivo de toda a pajelança fashion, orquestrada por Anna Wintour, diretora da Vogue América, é sempre uma grande exposição dedicada a um grande nome ou tema da moda. Este ano todas as fanfarras são para a japonesa Rei Kawakubo e sua marca Comme des Garçons. Ela é a segunda estilista viva a merecer a atenção de um museu – como aconteceu no mesmo Metropolitan com Yves Saint Laurent, nos anos 80.

Mas por que tanta atenção e reverência? Well, antes de mais nada, um pouco de história:

Nascida em Tóquio, em 1942, Rei é formada em História e Artes Plásticas, mas em 1967 tornou-se stylist. E por stylist entenda-se não o estilista/designer, mas o profissional responsável por todo o visual de uma imagem de moda. No caso, era ela quem escolhia a modelo, editava as roupas e preparava o ambiente – em estúdio ou locação – para o desempenho do fotógrafo. Rei era profissional requisitada, porém enfrentava um problema, a dificuldade em encontrar roupas que realmente gostasse de fotografar. Por isso, em 1969 criou a Comme des Garçons (“do jeito dos meninos”, em francês) e, desde então, a cada seis meses lança coleção, renova seu estilo, reinventa geometria e vocabulário em roupas. A partir de 1981 passou a desfilar no prêt-à-porter em Paris – o lançamento de roupas industrializadas, não a Alta Costura – juntado-se a outros estilistas nipônicos como Issey Miyake, Kansai Yamamoto e Yohji Yamamoto – com quem manteria um relacionamento até os anos 90 – inaugurando a corrente do japonismo.

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Preto foi a cor básica e fetiche, e não houve corte, proporção, silhueta, material ou aviamento possível que Rei Kawakubo não explorasse, subvertesse e ressignificasse em suas criações, sempre flertando com o absurdo e a arte – mas não a chame de artista, ela não gosta.  Havia uma mistura inusitada Oriente-Ocidente de drama Nô e Kabuki, mais a delicadeza de origamis e flores, com a precisão manual da alta-costura e o ar soturno apocalíptico dos extertores da Guerra Fria. O primeiro impacto foram os suéteres de tricô esburacados, em 1982 – a coleção se chamava Buracos – e falou-se que era uma herdeira do punk, mas ela provou estar léguas à frente, tanto em estética quanto em conceito e negócios. Também houve as peças inacabadas, os tutus de bailarina misturados com jaqueta de motoqueiro, as mangas coladas ao corpo, as peças assimétricas, as roupas desconstruídas – “Só quem sabe construir uma roupa pode descontruí-las”, observou a jornalista Regina Guerreiro. No final dos anos 90 fez uma de suas apresentações mais radicais, com trajes recheados com volumes que deformavam o corpo, como corcovas ou corcundas, a ponto de alguém gritar do pit dos fotógrafos: “Quasímodo”, o Corcunda de Notre Dame. Ela adorou, porque sempre preferiu o ruído da polêmica à unanimidade do aplauso.

Não eram roupas para todos os gostos e tinham mais a ver com intelecto do que com vaidade: “Para uma mulher segura de suas ideias e de seus valores”, dizia um manual de elegância da época sobre a Comme des Garçons. Segundo o estudioso de moda inglês Colin MacDowell, Rei só não liderou uma verdadeira revolução na moda porque nunca atingiu em cheio o gosto popular. Sua peça mais facilmente reconhecida até hoje é a camisa polo com um coraçãozinho com um par de olhos, aplicado no lado esquerdo peito.

Nas raras entrevistas que dá – sempre em japonês, apesar de se comunicar sem problemas em francês e inglês – prefere falar sobre a filosofia zen, sobre a noção de espaço e vazio e de citar algo pinçado do pensamento do sociólogo alemão Erich Fromm, do que discorrer sobre moda e, principalmente, explicar uma coleção. Por isso resistiu bravamente antes de aceitar o convite de Anna Wintour e Andrew Bolton, curador do Met, para mergulhar no passado e montar uma retrospectiva – 140 modelos compõem a mostra.

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Além da marca Comme de Garçons, Rei investiu no início de carreira de um ex-assistente, Junya Watanabe, hoje estilista reconhecido, lançou o conceito mais que explorado da pop up store – lojas temporárias – e é uma das sócias do Dover Street Market, endereço londrino ultradescolado recheado de marcas tão arrojadas, e caras, quanto a dela.

Rei Kawakubo, estilista da Comme des Garçons
Rei Kawakubo: Zen, sociologia e grandes negócios (Melodie Jeng/Getty Images)

Aos 74 anos, casada há 26 com Adrian Joffe – CEO da companhia – Rei Kawakubo diz que está cansada do expediente “eterno retorno” da moda mas nem por isso sente que precisa parar ou, como faz um outro luminar da moda, o tunisiano Azzedine Alaïa, atender uma clientela selecionada e apresentar coleções quando bem entender, porque isso mataria sua criatividade.

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Até hoje só tive duas peças Comme des Garçons. Uma camiseta de malha, manga longa, gola alta, ampla, preta, com duas tiras de silicone – bege e verde claro – bem abaixo do ombro na marga esquerda. Praticamente um abrigo, ocultando o corpo, do jeito que eu gosto. A outra era uma camisa, também negra, slim fit, colarinho pontudo em um material com aparência de papel – o ruído crocante também era de papel – provavelmente seda trabalhada com alguma substância sintética. Lembro que as duas foram muito caras. Afinal, Rei Kawakubo, além de criadora extraordinaire, é também uma autoridade em marketing e mulher de negócios muito bem sucedida.

Todas as honras à rainha!

Rei Kawakubo/Comme des Garçons: Art of the In-Between fica em cartaz até 4 de setembro.

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