Safra cede à maioria após série de disputas com Americanas
Banco chegou a cogitar mirar bens pessoais de acionistas de referência, mas foi o último a aderir à proposta
Certa vez, o escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) presenteou a literatura com a seguinte frase: “Os raios caem sobre os montes mais elevados, e onde encontram mais resistência é onde provocam o maior dano”. Resistente, o Banco Safra foi o último credor relevante da Americanas a ceder aos termos da recuperação judicial da varejista, que se arrasta desde a revelação do descalabro contábil em janeiro passado. Depois de os outros bancões aderirem ao plano de capitalização de 24 bilhões de reais proposto pela empresa e por seus acionistas de referência, o Safra foi o único entre as grandes instituições financeiras a se opor à proposta. Com a adesão, a Americanas conta com mais de 50% dos credores a favor da recuperação judicial.
O Daycoval, o Banco Votorantim, o Itaú Asset Management e o Banco ABC Brasil haviam aderido ao plano na semana passada. Com isso, a proposta da recuperação judicial da varejista deve ser aprovado na assembleia de credores prevista para a terça-feira 19.
Ante o aceite por parte de Bradesco, Santander, Itaú e BTG Pactual, o Safra, com créditos de 2,5 bilhões de reais junto à companhia, havia denunciado tentativas de fraude no acordo por parte da Americanas e pedido a anulação da assembleia de credores marcada para o próximo dia 19. A Justiça negou o pleito. Depois de muito remar contra, o banco cedeu e, no domingo 17, às vésperas do encontro com os demais credores e representantes da empresa, anunciou que acatou aos termos propostos pela Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O trio entrará com 12 bilhões e a outra metade dos recursos será convertida em ações da varejista para os bancos.
O Safra brigou. No último dia 4 de dezembro, o banco contestou vinte cláusulas do plano de recuperação judicial e cobrou a apresentação de uma nova lista de credores. Entre os questionamentos, o Safra apontou uma suposta diferença de tratamento da Americanas em relação a credores da mesma classe, apontando um “nítido benefício” aos credores do mercado de capitais.
A instituição também havia contestado a proposta da Americanas para que os credores não entrassem na Justiça contra a empresa. Como mostrou o Radar Econômico, o banco cogitou entrar em litígio e mirar os bens pessoais de Lemann, Telles e Sicupira por meio da “desconsideração da personalidade jurídica”. Ainda em janeiro, um duro comunicado do Safra já trazia o tom que seria adotado pelo banco: segundo a instituição, o plano maculava “a manifestação de vontade dos credores de forma perversa”.
Último resiliente, o Safra não esteve sempre sozinho na briga. No início do imbróglio envolvendo a varejista, o Santander também havia subido o tom contra a empresa — e com razões expressas. Exposto em 3,7 bilhões de reais, em fevereiro, o banco anunciou em seu balanço o provisionamento de 237 milhões de euros — ou 1,4 bilhão de reais à época. Em junho, o banco emitiu uma nota depois do depoimento de Leonardo Coelho, atual CEO da Americanas, alegando a existência de provas de falsificação de documentos de fornecedores, com descontos comerciais inexistentes.
Na ocasião, o Santander afirmou que a fraude contábil era “única e exclusiva” culpa da Americanas. “A própria empresa ressalta os esforços da diretoria anterior para ocultar do mercado a real situação de resultado e patrimonial da companhia. Isso, por si só, comprova taxativamente que a única e exclusiva responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é da Americanas, por intermédio da sua antiga diretoria”, dizia a nota.
Sem resultado prático na resistência e isolado na estratégia, o Safra cedeu à vontade da maioria. E, talvez, tenha evitado danos maiores. Procurado pelo Radar Econômico para explicar as razões da mudança de postura, o Safra não quis se manifestar.