Drogas e estados paralelos: um circuito mundial
O crime organizado opera de forma cada vez mais sofisticada e transnacional. Torna-se inviável combatê-lo apenas por meio de estruturas nacionais
A crise do petróleo de 1973 redefiniu as relações internacionais estabelecidas no pós-Segunda Guerra Mundial. Somada ao impacto econômico global, as guerras do Vietnã e do Afeganistão sepultaram a crença de que as grandes potências militares da modernidade manteriam uma hegemonia irrestrita sobre a ordem mundial, como outrora haviam feito os impérios clássicos. A liquidez econômica deu lugar à liquidez financeira, que se expandiu para as relações interpessoais e, gradualmente, alcançou as estruturas macro políticas, incluindo o próprio Estado nacional.
Houve, portanto, um deslocamento nas dinâmicas de poder. Esse processo reduziu a capacidade de muitos Estados nacionais de centralizar autoridade por meio de suas burocracias e aparatos de segurança e defesa. Em meio a essa reordenação, surgiram estados paralelos. Um exemplo emblemático ocorreu no Vietnã, quando militares norte-americanos passaram a traficar drogas da região da Indochina para os Estados Unidos.
A chegada dessas novas substâncias aos grandes mercados consumidores impulsionou a formação de redes clandestinas destinadas a suprir a crescente demanda. Países periféricos, incapazes de exercer controle efetivo sobre todo o território, ofereceram condições para o florescimento desse circuito ilegal, que se estendeu do leste asiático ao oeste sul-americano.
Na década de 1980, a guerra entre a União Soviética e o Afeganistão intensificou esse fenômeno. Os Estados Unidos apoiaram o regime fundamentalista do Talibã, e a exportação de ópio manteve-se como uma importante fonte de financiamento, consolidando um mercado já inaugurado na Guerra do Vietnã.
Paralelamente, na América do Sul, a Força Alternativa Revolucionária da Colômbia (FARC) abandonou sua pauta revolucionária e passou a controlar o tráfico de drogas, movimentando milhões de dólares e fortalecendo seu poder territorial.
O colapso da União Soviética deu nova dimensão a essas rotas ilícitas por dois motivos centrais. Primeiro, porque Moscou, apesar das dificuldades, ainda financiava diversos governos e movimentos aliados ao redor do mundo. Segundo, porque o desmantelamento do aparato burocrático soviético gerou uma onda de novos países incapazes de conter redes de corrupção que rapidamente se integraram ao comércio
global de drogas e armas.
Formava-se, assim, um circuito mundial da ilegalidade. Como observa o historiador e jornalista Misha Glenny em McMafia: Crime sem Fronteiras, a década de 1990 inaugurou “uma nova Rota da Seda, uma rodovia criminosa com inúmeras pistas ligando o cinturão a outras regiões conturbadas, como o Afeganistão, e permitindo o transporte rápido e fácil de pessoas, drogas, dinheiro vivo, espécies ameaçadas e madeira preciosa da Ásia para a Europa e, além, para os Estados Unidos”.
O Brasil e a América do Sul não ficaram à margem dessa globalização paralela. Ao contrário, durante os anos 1990, organizações criminosas se expandiram e passaram a recrutar membros para além dos presídios. O comércio de drogas assumiu uma lógica empresarial, com estatutos, códigos de conduta e sistemas de gestão informal que se enraizaram em comunidades e em outras áreas do tecido social.
Em 2025, diante de uma megaoperação da Polícia Federal contra o crime organizado e do recente confronto entre agentes de segurança e integrantes do Comando Vermelho no Rio de Janeiro — que exibiam armamentos de grande poder destrutivo —, tornou-se evidente a profundidade da infiltração desses grupos na estrutura nacional. Estima-se que cerca de 40 milhões de brasileiros vivam sob a influência direta de facções criminosas, em áreas onde o Estado perdeu sua soberania prática.
Em escala global, o crime organizado opera de forma cada vez mais sofisticada e transnacional. Por isso, torna-se inviável combatê-lo apenas por meio de estruturas nacionais. É urgente a formulação de políticas de integração regional que definam metas conjuntas de enfrentamento e permitam ações coordenadas para a recuperação de territórios dominados por estados paralelos — espaços que, não por acaso, concentram alguns dos mais altos índices de homicídios do planeta.
Victor Augusto Ramos Missiato é doutor em História (UNESP/Franca), professor e pesquisador do Instituto Presbiteriano Mackenzie, campus Tamboré.
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