As provas que complicam a vida de bolsonaristas no caso das joias
Extratos bancários, recibos de compra e venda, fotos e trocas de mensagens corroboram as delações contra o ex-presidente e auxiliares próximos
A quebra de sigilo do relatório da investigação sobre a venda de joias recebidas por Jair Bolsonaro como presentes oficiais, expõe um arsenal variado de provas recolhidas pela Polícia Federal que miram o ex-presidente.
Além da delação do ex-ajudante de ordens coronel Mauro Cid, os investigadores dispõem de extratos bancários, recibos de compra e venda, bilhetes de passagens aéreas, ofícios e despachos governamentais, depoimentos, fotos, troca de mensagens por WhatsApp entre os investigados e emails para possíveis compradores das joias.
As provas, tornadas públicas nesta segunda-feira, 8, mostram que Jair Bolsonaro estava ciente das operações de compra e venda e conversava frequentemente com quem estava à frente das negociações. As evidências também explicitam a participação de militares de alta patente e auxiliares próximos ao ex-presidente no esquema de desvio de presentes oficiais.
O papel do general
Uma das contas bancárias varridas pela PF é a do general Lourena Cid. O pai de Mauro Cid admitiu que repassou 68.000 dólares a Bolsonaro “de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros com o ex-presidente”.
“A análise dos saques realizados na conta bancária de LOURENA CID a partir do dia 13 de junho (data do recebimento dos U$ 68 mil dólares) até o mês de setembro de 2022, quando o investigado viaja para compor a comitiva presidencial, evidenciou a saída em espécie do montante de US$ 37.600,00”, diz a PF.
O relatório dispõe de fotos, encontradas no notebook de Mauro Cid, em Nova York, em que Bolsonaro, Lourena Cid e o ex-ajudante de ordens conversam no restaurante de um hotel. Na ocasião, o ex-presidente visitou a cidade americana para a Assembleia Geral da ONU e recebeu dinheiro vivo do general da reserva, que comandava o escritório da Apex em Miami.
Em seu endereço na Flórida, Lourena Cid também recebeu um dos três lotes de joias que seriam vendidos. A encomenda foi entregue, segundo mensagens de WhatsApp interceptadas pela PF, por Cristiano Piquet, empresário do ramo imobiliário. A mala chegou ao Brasil em avião da comitiva presidencial, no dia 30 de dezembro de 2022, e saiu de Orlando rumo a Miami no carro do corretor de imóveis.
A Polícia Federal ainda demonstrou trocas de emails com vários possíveis compradores das joias desviadas. Em uma das mensagens, um vendedor da loja Diamond Banc diz a Mauro Cid que encontrou seu pai (general Lourena Cid) e explicou que para a avaliação do valor dos itens teria de remover partes da escultura de palmeira recebida por Bolsonaro no Barhein — a complexidade do procedimento acabou impedindo que o negócio fosse concretizado.
Pressão em Guarulhos
Outro episódio com farta documentação diz respeito às iniciativas do governo Bolsonaro para liberar joias avaliadas em mais de 16 milhões de reais. O lote foi retido na alfândega do aeroporto de Guarulhos, após ser encontrado na mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, que fazia parte da comitiva do então ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque.
O chamado “kit rosé” foi liberado após ofícios, trocas de mensagens e pressão de servidores de vários setores do governo, incluindo da própria Receita Federal, ao serviço alfandegário. As operações foram provadas com ofícios e documentos oficiais, além de conversas no WhatsApp.
Em uma das mensagens, Marcelo Vieira, ex-chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência, onde devem ser guardados os presentes oficiais, relatou a seu colega Erick Moutinho, então coordenador do GADH, que, em ligação de Mauro Cid, conversou com Bolsonaro no processo de liberação dos itens.
“Tu tem que ver (risos), ligou todo nervoso estressado! Até o presidente veio falar comigo, pra tu ter noção. Mas acho que tá tudo resolvido, tá bom? Obrigadão aí, cara.”
Compras e vendas
Depois de liberado, o kit rosé foi a leilão. Uma troca de mensagem de WhatsApp entre Jair Bolsonaro e Mauro Cid “evidencia a ciência do ex-presidente”, segundo o relatório da PF. O ex-ajudante de ordens enviou o link do leilão para Bolsonaro, que respondeu “selva”, demonstrando que sabia sobre a operação.
A investigação também reuniu várias provas sobre a operação para recomprar as joias vendidas nos Estados Unidos. A PF descobriu que Frederick Wassef comprou passagens para ele e mais uma advogada no dia 9 de março de 2023, dois dias depois estava embarcando, em comunicação intensa com Mauro Cid, Fabio Wajngarten e com o próprio ex-presidente.
“Desde que se tornou pública a apropriação das joias pelo ex-presidente JAIR BOLSONARO, os investigados começaram, a partir do início do mês de março, uma intensa movimentação, com trocas de mensagens e ligações diárias, para planejar e executar a operação clandestina de recompra e recuperação das joias”, diz a PF.
Wassef havia comprado as passagens de ida e volta por 27.040,08 reais, mas teve de acrescentar 10.568,87 reais para estender o prazo da viagem. Ele voltaria no dia 21 de março de 2023, mas retornou apenas em 29 de março do ano passado. Um recibo de compra em seu nome mostra que, além das caras passagens, o advogado de Bolsonaro desembolsou 49.000,01 dólares para recomprar o Rolex.