Lula defende regulação das redes sociais em carta para a Unesco
O presidente pregou que não se pode permitir que democracias sejam afetadas por "alguns poucos atores" que controlam as plataformas digitais
Convidado pela diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, Lula não foi a Paris para a conferência “Internet for Trust”, mas enviou uma carta para ser lida na abertura do fórum.
O presidente defendeu a regulação das redes sociais e disse que o ambiente online acelerou a concentração de poder e desigualdade social, lembrou do atentado de 8 de janeiro e afirmou que as plataformas digitais põem a democracia em risco.
“Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos”, diz a carta.
Lula ainda alertou para “riscos à saúde pública”. Para ele, a desinformação propagada nas mídias digitais contribuiu para milhares de mortes durante a pandemia de Covid-19.
O evento, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, começou nesta quarta e vai até quinta-feira.
Leia a carta na íntegra:
À Sua Excelência a Senhora
Audrey Azoulay
Diretora-Geral da UNESCO
Senhora Diretora-Geral,
Gostaria de agradecê-la pelo convite para participar da Conferência Global da UNESCO que será realizada em Paris entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2023.
As plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, são parte fundamental de nosso dia-a-dia. Elas definem a maneira como nos comunicamos, como nos relacionamos e como consumimos produtos e serviços. O desenvolvimento da internet trouxe resultados extraordinários para a economia global e para nossas sociedades. As plataformas ajudam a promover e difundir o conhecimento. Facilitam o comércio. Aumentam a produtividade. Ampliam a oferta de serviços e a circulação de informações.
Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.
O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo.
O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.
A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.
Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na UNESCO, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil.
Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Precisamos garantir o acesso à internet para todos, fomentar a educação e as habilidades necessárias para uma inserção ativa e consciente de nossos cidadãos no mundo digital. Países em desenvolvimento devem ser capazes de atuar de forma soberana na moderna economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos.
Esta conferência na UNESCO é o início de nosso debate, e não seu ponto final. Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas.
Aproveito a oportunidade para apresentar os votos de minha mais alta estima e consideração.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República Federativa do Brasil