O que o apagão das máscaras na França ensina sobre gestão de saúde
Durante surto de gripe H1N1, grande estoque do item foi considerado 'desperdício de dinheiro'; agora, material está em falta
Terceiro país da Europa com mais mortes em decorrência do coronavírus, a França atravessa uma crise de máscaras hospitalares – o déficit no país é tamanho, que o material começa a faltar para quem está na linha de frente da pandemia. Mas a penúria é resultado, acredite se quiser, de um excesso.
Em 2010, diante da ameaça da gripe H1N1, a ministra da Saúde francesa à época, Roselyne Bachelot, encomendou 2 bilhões de máscaras e 95 milhões de vacinas. O exagero dos estoques provocou uma onda de indignação quando o país se viu livre da pandemia. A ministra foi duramente criticada e teve que responder judicialmente pelas compras, consideradas um desperdício de verba pública.
Desde então, os estoques só diminuíram. Quem sucedeu a ministra na cadeira da Saúde não considerou a medida útil e, certamente, encararam como uma maneira de se protegerem das críticas de que estariam gastando dinheiro público com compras desnecessárias. Na semana passada, foi o próprio governo de Emmanuel Macron que teve que admitir a redução dos estoques.
“Desde 2011, após a gripe H1N1, decidimos que não tínhamos mais necessidade de estoques desta natureza porque a produção mundial era suficiente para garantir o fornecimento em qualquer situação em caso de pandemia. Por isso, os estoques diminuíram progressivamente”, explicou a porta-voz da presidência Sibeth Ndiaye.
Fora dos holofotes políticos desde que saiu do governo de Nicolas Sarkozy, a vez da ex-ministra vê sua vez de sorrir…ainda que diante de tamanha tragédia. Desde que o apagão das máscaras passou a ser denunciado na imprensa francesa, na semana passada, a precaução de Roselyne é só elogios. A repercussão foi tanta que ela precisou se manifestar.
“Tenho recebido muitas mensagens de apoio e de reconhecimento…e até pedidos de desculpas! Agradeço a todos e sinto muito não poder responder a todos. Filha de pessoas que lutaram na resistência, meu objetivo no serviço público sempre foi um só: servir aos franceses. O momento não é de rancor”, escreveu no Twitter.
O episódio francês acende o alerta e talvez sirva para o Brasil: excessos e negligências são sempre de responsabilidade do estado.