
Pela primeira vez na história, o Brasil ultrapassou a marca dos 70 milhões de inadimplentes — um número que equivale a cerca de 42% da população adulta. O dado, divulgado em 14 de maio pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), acende um alerta vermelho sobre os rumos da economia nacional.
Um dos setores mais impactados por esse cenário é o imobiliário, especialmente no mercado de locações. A inadimplência em alta vem desafiando as imobiliárias a repensarem processos, estratégias e, principalmente, a forma de proteger os interesses dos proprietários diante de um risco cada vez mais comum: o não pagamento do aluguel.
Para Tiago Borba, CEO da Foco Negócios Imobiliários, em Sorriso (MT), o caminho passa por profissionalização e prevenção. “Mais do que reagir à inadimplência, é preciso antecipá-la. Ter uma gestão patrimonial estruturada, com análise criteriosa do perfil do inquilino, pode evitar muitas dores de cabeça lá na frente”, afirma.
Segundo ele, levantar informações como a renda do locatário, histórico de crédito e movimentação financeira é essencial para minimizar riscos. “Não se trata de desconfiança, mas de segurança jurídica e financeira tanto para o proprietário quanto para a imobiliária.”
Em Sorriso, o avanço do endividamento tem sido ainda mais acelerado. Borba estima que a inadimplência local possa ter crescido até 70%, superando a média estadual apontada por estudos recentes.
Nesse contexto, uma alternativa que tem ganhado protagonismo no setor é o chamado Aluguel Garantido, modelo em que a imobiliária assegura o repasse do valor mensal ao proprietário, mesmo que o inquilino esteja inadimplente. “Além de proteger o fluxo de caixa do dono do imóvel, o serviço também ameniza desgastes em cobranças e renegociações”, explica Borba.
Outra vantagem estratégica desse modelo é a fidelização de clientes. Com a baixa oferta de imóveis para locação em muitas regiões do país, manter os proprietários satisfeitos se torna prioridade. “Mais do que captar novas unidades, é essencial preservar os imóveis já administrados. É isso que mantém a roda girando em tempos difíceis”, diz Borba.
O inquilino, por sua vez, também pode se beneficiar. Com o Aluguel Garantido, a dívida que antes era tratada diretamente com o proprietário passa a ser gerenciada pela imobiliária, que costuma oferecer condições facilitadas de pagamento em alguns casos, com parcelamentos em até 21 vezes no cartão de crédito.
Apesar do aumento da inadimplência, Borba aponta que a maioria dos casos é resolvida fora dos tribunais. “Mais de 85% das negociações são concluídas de forma amigável e administrativa. Com diálogo, boa gestão e ferramentas adequadas, é possível equilibrar os interesses de todos os envolvidos”, conclui.
A grande inadimplência de inquilinos mexeu até com o Poder Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, em junho de 2025, o Projeto de Lei nº 3.999/2020, que institui o despejo extrajudicial por inadimplemento de aluguel. A proposta busca permitir que o locador, diante da dívida do inquilino, promova a retomada do imóvel diretamente por meio de cartório de notas, sem necessidade de ação judicial. A medida representa um marco relevante na “desjudicialização” das relações locatícias. Atualmente, nos termos da Lei nº 8.245/1991 ( Lei do Inquilinato), o procedimento de despejo por falta de pagamento depende de ação judicial, mesmo que a locação esteja desprovida de garantia.
A principal preocupação, caso o projeto de lei seja aprovado, está na utilização do procedimento por locadores de má-fé ou em situações em que haja controvérsia legítima sobre o valor devido. A regulamentação precisa deixar claro que a notificação extrajudicial não pode ser utilizada como meio de coação ou ameaça à posse legítima.
De qualquer maneira, essa mudança legislativa acontece em uma época que o Brasil está precisando de ferramentas para controlar e tentar reverter esse número preocupante de inadimplentes